Translate

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

PARAÍSO DAS DESCOBERTAS E DAS FRUSTRAÇÕES...

★★★★★★★★★☆
Título: Paraíso: Esperança (Paradies: Hoffnung)
Ano: 2013
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos
Direção: Ulrich Seidl
Elenco: Melanie Lenz, Joseph Lorenz
País: Áustria, França, Alemanha
Duração: 92 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Enquanto sua mãe, Teresa, está passando o feriado no Quenia e sua tia, Anna Maria, está curtindo suas férias em penitência, Melanie vai para um acampamento de jovens para emagrecer e a dar seus primeiros passos nas descobertas e frustrações adolescentes.

O QUE TENHO A DIZER...
Esperança (Hoffnung, 2013) é, por fim, a última parte e a conclusão da trilogia Paraíso (Paradies), de Ulrich Seidl, com roteiro escrito por ele e sua mulher, Veronika Franz. 

A história acontece paralelamente às duas partes anteriores. Melanie, filha de Tereza e sobrinha de Anna Maria, vai para um acampamento de jovens enquanto sua mãe passa os dias de feriado em uma praia paradisíaca na costa do Quenia redescobrindo uma vida sexual cheia de decepções, e sua tia fica de férias do trabalho para pregar a palavra divina e oprimir seus próprios desejos carnais.

A princípio tudo parece nada demais no início dessa terceira parte, e como já foi exposto de forma muito breve e implícita na primeira parte da trilogia, Melanie é uma adolescente de 13 anos que lida com uma ausência paterna que não é esclarecida e que tem uma relação um tanto distante com sua mãe, caracteristicas bastante recorrentes e comumente vistas atualmente, pois essa sociedade moderna é a alma principal das análises de Seidl na trilogia.

O comportamento da personagem é como o de muitas outras garotas de sua idade. É desleixada, preguiçosa, sedentária e que passa seu tempo livre dentro de seu quarto mexendo em seu celular, o que não seria diferente no acampamento. Em um primeiro momento essa falta de ordem realmente chega a ser irritante até para o próprio espectador, que logo percebe que a adaptação da garota não será muito fácil por conta da rígida disciplina cobrada pelos monitores, mas nada que limita esse grupo de jovens a ter seus momentos de diversões e descobertas até mesmo fora de hora, situações que nunca são tratadas de maneira proibitiva pelos superiores, mas repreendidas com ponderação justamente para que eles aprendam determinados valores e limites necessários para o desenvolvimento do respeito e a educação.

Ir para o acampamento e conhecer outros adolescentes de sua idade e relativamente com os mesmos problemas é simbolicamente o grande momento em que a personagem deixará de ser uma menina para finalmente se deparar com as verdadeiras descobertas da adolescência. As trocas de confidências revelam no grupo que Melanie é a única virgem entre suas colegas de quarto e que nem ao menos sobre o beijo ela conhece além daquilo que observa nas pessoas a sua volta. De certa forma isso a coloca em uma posição desafiadora porque os testemunhos alheios despertam curiosidades e vontades que ainda permaneciam adormecidas em sua ingenuidade. É o momento em que Seidl começa a vagarosamente soltar seu arsenal de simbolismos e como cada vez mais está inevitável que os adolescentes sejam expostos a decisões e comportamentos precoces, bem como nenhum ambiente também os privarão de perigos e tendências desvirtuosas quando vemos o que acontece dentro do acampamento ou fora dele, em uma das noites em que Melanie e sua amiga resolvem "fugir" para se divertirem em um bar nas proximidades.

De maneira proposital ou não, talvez por lidar com um tema tão delicado como é a essa fase da vida, as descobertas, valores e como tudo isso implica na vida adulta futura, o diretor é bastante sutil e delicado no desenvolvimento do filme, mas ainda firme em suas abordagens e propósitos, principalmente quando coloca no caminho de Melanie um homem que representará a perda de sua ingenuidade.

O primeiro contato entre a Melanie com o médico do acampamento, e o tratamento especial dado por ele, despertam nela multiplos sentimentos que se transformam em confusas fantasias e expectativas. Pela ausência paterna e por estar sozinha em uma ambiente desconhecido, ela enxerga nele uma figura masculina segura que lhe falta, e por ser um desconhecido que a trata com certa proximidade sentimental, suas vontades sexuais naturalmente afloram. Ao mesmo tempo ela não enxerga a forte tendência pedófila que é conscientemente contida por ele, tentada a todo momento pela insistente persistência de Melanie em conquistá-lo com sua natural e incorrompida sexualidade que desabrocha. A diferença é que ele já é um homem esclarecido e maduro, e ela uma adolescente que ainda desconhece determinados limites. 

O interessante é que Seidl é tendencioso na condução de suas cenas, e mesmo sabendo do grande erro que seria caso a relação entre os dois personagens se consumasse, as situações são construídas de forma a nos convencer de que, no fundo, é isso o que esperamos e queremos que aconteça, nos colocando tanto na condição dela quanto dele. Essa perspectiva desafiadora do diretor deixa o próprio espectador em conflito e a se questionar até que ponto somos capazes de nos manter racionais, a não cairmos em tentações e nos livrarmos do mal, amém. Não é à toa que, em uma das sequencias mais tensas do filme, o médico cheira o corpo de Melanie que está esticado e inconsciente em um bosque, e ele o faz como um cachorro a farejar uma carcaça. Essa foi a metáfora mais clara do diretor para o despertar de nossos instintos mais animais e irracionais, uma cena perfeita que conclui com muita coerência e exatidão a idéia exposta no prólogo do primeiro filme sobre a inconsciência de nossos atos ser tal qual uma demência.

Depois de tanta densidade nos dois filmes anteriores, a apreensão pelo pior é inevitável. O espectador fica um tanto tenso na espera de que a qualquer momento algo muito chocante possa acontecer não apenas pelas condições em que os personagens se encontram, mas também pela maneira densa, precisa e estática como elas são mostradas, muito mais do que em .

Para quem assistiu as duas primeiras partes da trilogia, notará que visualmente este filme é (felizmente) o menos chocante dos três, mas nem por isso deixa de ser forte e impactante.

De certa forma a história de Melanie e seus primeiros passos no mundo das descobertas e frustrações também é bastante parecida com aquelas sofridas por sua mãe no Quenia em Amor, o que nos remete a também pensar na perpetuação dos erros e sofrimentos pelas gerações seguintes, como se fosse uma condição genética. A grande diferença é que, nessa história, há diversas esperanças, incluindo a de que isso não ocorra mais.

CONCLUSÃO...
Siedl novamente não hesita em levantar questões sobre os problemas do mundo moderno, concluindo com chave de ouro uma trilogia de filmes que possuem diferentes histórias em diferentes locais e situações, mas todas dentro de um mesmo contexto. Amor, e Esperança podem ser diferentes, mas todos eles se complementam não apenas no signficado da palavra que seus títulos carregam, mas também são a alma de três brilhantes histórias que exemplificam através de uma intensa linguagem semiótica social e comportamental coerente todos os mais diversos e complexos comportamentos humanos.

Nenhum comentário:

Add to Flipboard Magazine.