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quarta-feira, 9 de abril de 2014

APAIXONANTE E INSPIRADORA...

★★★★★★★★★☆
Título: Philomena
Ano: 2013
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Stephen Frears
Elenco: Judi Dench, Steve Coogan
País: Reino Unido, França, Estados Unidos
Duração: 98 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre uma mulher que, cinquenta anos depois, com a ajuda de um jornalista, resolve ir atrás de seu filho dado para adoção aos 3 anos de idade.

O QUE TENHO A DIZER...
Dirigido por Stephen Frears, aclamado diretor de títulos como Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons, 1988), Os Imorais (The Grifters, 1990), Herói Por Acidente (Accidental Hero, 1992), A Rainha (The Queen, 2006) e outros títulos menos ou mais conhecidos, menos ou mais apreciados, com pouco ou grande sucesso.

Independente disso, o estilo do diretor em explorar figuras únicas, martirizadas ou marcadas por grandes situações da vida, ou até mesmo pela relação com tipos oportunistas sórdidos, cruéis e maldosos, bem como a forma como tudo isso é superado, está sempre nos seus filmes, sejam eles com cargas dramáticas mais acentuadas, ou atenuadas por uma leve ironia cômica. Este é o caso de Philomena, que embora conte um drama real e devastador, consegue ser construído de forma muitas vezes motivadora, nunca esquecendo do drama pessoal da personagem de fato, o que também aconteceu em seus filmes anteriores mais recentes como O Retorno de Tamara (Tamara Drewe, 2010) e Chéri (2009).

Curiosamente o filme é baseado na história real de Philomena Lee, uma irlandesa que, na década de 50 e aos 18 anos, engravidou acidentalmente por consequência daquilo que para ela foi apenas um beijo e uma demonstração de afeto, quando, na verdade, foi uma relação sexual casual que ela não se atentou por desconhecimento e inocência. Sem saber que filhos eram feitos assim, a barriga cresceu e, por recomendação do próprio médico da família, seu pai a mandou para a Abadia de Sean Ross, pois naquela época era um insulto e uma vergonha para a família e para os católicos romanos uma mulher solteira engravidar, já que provava um ato sexual consumado antes do casamento e a perda da pureza cristã. Por isso, mulheres como ela eram colocadas longe da sociedade, e assim Philomena foi enclausurada na Abadia juntamente com outras jovens na mesma situação, onde teve seu filho Anthony e sofreu com a severa educação das Freiras do Sagrado Coração de Jesus e Maria. Depois que seu filho nasceu, ela teve direito a visitá-lo uma vez ao dia por apenas uma hora, e quando ele completou três anos, as freiras o entregaram para adoção a uma família norte-americana sem o conhecimento ou consentimento da mãe. O "engraçado" é que Philomena aceitou todo este sofrimento por realmente acreditar que aquilo era uma penitência necessária para o perdão de seus pecados, por ter descoberto o prazer sexual e ter tido um filho, muito embora o prazer sexual ela categoricamente afirma ter sido a maior e melhor descoberta de sua vida. Posteriormente a isso e aproveitando de sua religiosidade, as freiras aterrorizaram Philomena de arder no fogo do inferno caso ela não assinasse um documento que renunciava seu filho e a proibia, para o resto da vida, de procurar seu paradeiro. Como a personagem diz no próprio filme, ela não foi coagida, ela assinou por vontade própria, pois era naquilo que acreditava. Quase dez anos depois, ela saiu da Abadia, casou e mais quarenta anos se passaram para finalmente quebrar o voto de silêncio e aceitar o fato de que nada daquilo foi pecado. Ela contou a verdade para sua filha, que se engajou em descobrir o paradeiro de seu irmão. Na vida real ela afirma que também contou ao seu marido anos antes de revelar a sua filha, mas o mesmo apenas disse que o que está no passado é do passado, e nunca mais comentou sobre isso.

Sua história é realmente impressionante, pois é uma daquelas situações que acreditamos ser parte apenas de um drama fictício exagerado. Obviamente que o filme não é verdadeiramente fiel a história real, como o fato de ter sido Jane, sua filha, quem descobriu o paradeiro de Anthony - que agora se chama Michael Hess - e não o jornalista Martin Sixmith, bem como algumas outras situações mostradas, como a sequência final, que também é apenas uma fictícia interpretação para que o conflito final e esperado da personagem possa ser consumado e o ciclo dramático completado, tal qual expressado por ela mesma em um dos diálogos com o jornalista antes do grand finale.

A importância de Sixmith na biografia é ter sido ele o grande responsável em traçar toda a trajetória de Michael desde sua adoção, e por ter levado a história a conhecimento público com o livro The Lost Child Of Philomena Lee, publicado em 2009, no qual o filme é baseado. Sixmith também afirmou que a forma como ele é interpretado no filme é parcialmente correta, sendo verdadeira a maneira como ele é intolerante com as injustiças, mas que ele não é uma pessoa tão raivosa e grosseira como o filme mostra.

Mas ao comparar o desenvolvimento do filme com a biografia de Philomena, que pode ser encontrada de forma suscinta ou extensa pela internet em diversas versões e websites, o roteiro realmente consegue abraçar todos os principais fatos vividos por ela e encaixá-los na história de maneira simbólica e verdadeira, mesmo que em situações fictícias. Ou seja, embora os roteiristas (que inclui o próprio ator principal) tenham feito algumas livres e anacrônicas interpretações para o bem do desenvolvimento da adaptação, a história de Philomena está na tela o tempo todo e em seus 98 minutos, seja em fatos ou na sua personalidade otimista e marcante.

Como em grande parte dos filmes de Frears, este segue linear e sem pressa, mas o grande diferencial é a pontualidade dos fatos e a forma objetiva com que ele trata o roteiro, utilizando alguns flash backs (sendo muitos deles verdadeiros) apenas para complementar o passado da personagem em um filme com uma duração satisfatória, que carrega o espectador de forma envolvente sem subestimá-lo e comover sem ser piegas ou tendencioso, numa trajetória contada numa narrativa delicada e honesta. Também não é uma comédia, como pressupõe-se pelo marketing, mas emocionante em sua mais pura forma, que realmente levará alguns às lágrimas mais pela pureza e grandiosidade da personagem em lidar com situações tão difíceis do que pela grande tragédia da personagem em si. É um dos melhores filmes do diretor em anos, e que também mantém a mesma situação de dúvida que em A Rainha, por também não ser tendencioso a uma determinada idéia. Neste filme anterior o diretor manteve uma certe imparcialidade de julgamento sobre a culpa ou não da família real na morte de Diana, da mesma forma essa imparcialidade é mantida neste filme em não julgar a igreja católica ou as decisões de seus seguidores. Ele mostra os dois lados da moeda, o lado de uma mulher fiel e o lado do homem ateu e científico, há o conflito de ambos a todo instante, mas é decisão do espectador em escolher o lado.

Mais impressionante ainda é ver Judy Dench oferecer uma das interpretações mais leves, carismáticas e emocionantes em uma carreira cheia de personagens tipicamente londrinos e sisudos. A personagem, que se alto denomina "uma caipira", não é dotada de tanta malícia e sarcasmo como o personagem de Martin Sixmith (Steve Coogan), mas sua pureza e ingenuidade natas conseguem dar outras dimensões a coisas comuns e banais, como no momento em que ela narra empolgadamente para Sixmith um livro de ficção romântica barata, mas que para ela é parte de uma magnífica fantasia inesperada e que se torna bela e incomum pela forma como ela a interpreta. Seu desconhecimento frente a outras coisas também não a transforma em alguém ignorante, mas em uma pessoa com maravilhosos e surpreendentes pontos de vista constantemente adquiridos pela observação e curiosidade pela vida, mesmo que limitados, mas simples, com um olhar até infantil e singelo. A inspiração oferecida pela personagem é vasta, como a sua total incapacidade de vingança, de cultivar a mágoa ou manifestar a raiva até mesmo por pessoas que foram responsáveis por grandes momentos de dor em sua vida. Essa filosofia tão nobre e particular demonstrada por ela é o verdadeiro conceito sobre a crença divina e a busca pela paz espiritual, transcendendo qualquer linha religiosa ou dogmas. Philomena poderia ser uma pessoa amargurada e rancorosa, mas acredita no poder do perdão não porque isso seja fácil ou porque é isso que ela espera das pessoas em troca, mas porque é isso que lhe dá forças para viver, pois como ela mesma diz, a raiva deve ser exaustante.

Não há como não se apaixonar ou se emocionar por uma personagem e uma mulher tão grandiosa como Philomena Lee. Inspiradora e motivadora, uma grande lição de vida, daquilo que chamamos de fé e perdão, mas que raramente sabemos qual o seu verdadeiro significado.

CONCLUSÃO...
Não há dúvidas de que este longa seja um dos grandes destaques e também um dos melhores títulos de 2013, justamente por conta da sua história e da interpretação de Judi Dench ao ponto de, na lista dos melhores, todos os outros demais títulos serem até ser bons, mas Philomena será o único a ficar na memória de quem assistir, e não por ser chocante, pois não é, mas por ser, dentro de toda sua tristeza e tragédia, uma belíssima e inspiradora história de perseverança, amor, perdão e fé.

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