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terça-feira, 11 de março de 2014

ELA É PRESENTE, EMBORA NÃO EXISTA...

★★★★★★★★★☆
Título: Ela (Her)
Ano: 2013
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Spike Jonze
Elenco: Joaquim Phoenix, Amy Adams, Scarlett Johanson, Olivia Wilde, Rooney Mara
País: Estados Unidos
Duração: 120 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre um escritor solitário que desenvolve uma estranha relação de amor e dependência com um sistema operacional desenvolvido para oferecer as principais necessidades humanas.

O QUE TENHO A DIZER...
Dirigido, produzido e escrito por Spike Jonze, é o primeiro filme em que o roteiro é assinado inteiramente por ele, diferente do que foi com o já clássico Quero Ser John Malkovich (Being John Malkovich, 1999) e Adaptação (Adaptation, 2002), que foram escritos por Charlie Kaufman, ou Onde Vivem os Monstros (Where The Wild Things Are), co-escrito por ele e Dave Eggers.

Jonze começou a carreira dirigindo vídeos de música para artistas com conceitos visuais fortes como Björk e R.E.M., onde adquiriu experiência e amadureceu seu estilo que se transformou em uma assinatura forte em Hollywood tal qual como aconteceu com David Fincher ou Tarsem Sigh. Seus filmes geralmente são conhecidos pela narrativa estranha e de desenvolvimentos esquisitos para o público comum, mas propositais para causar impacto em cima de idéias simples e, assim, fugir de clichés ou simples melodramas, fazendo o espectador olhar sobre eles por um ponto de vista mais sensível, humano, que são pouco observados ou até mesmo ignorados, um estilo que se assemelha bastante ao de Wes Anderson, porém por uma narrativa menos fantasiosa e irônica, focada muito mais no que ele quer contar do que na excentricidade de seus personagens.

Ela conta a história de Theodore (Joaquim Phoenix), um escritor que trabalha em uma empresa que escreve cartas virtuais impressas em letras cursivas simuladas, enviadas e assinadas no nome de pessoas que contratam esse serviço para substitur o árduo trabalho de fazerem elas mesmas algo tão pessoal. Por acreditar que suas cartas são perdidas e esquecidas com o tempo, é no trabalho que ele desempenha o seu melhor papel ao dar sentimento em todas as palavras e frases poéticas que utiliza para pessoas que ele não conhece. Sua solidão e a difícil situação de ter que assinar seu divórcio com Catherine (Rooney Mara), sua ex-mulher, deixam nele um vazio que nunca é preenchido e com uma imensa dificuldade de se relacionar novamente com qualquer outra pessoa, incluindo sua única e melhor amiga, Amy (Amy Adams). Sua vida parece não ter sentido e nem graça até encontrar no mercado um novo sistema operacional de inteligência artificial capaz de agir, reagir, aprender e se desenvolver de acordo com as ações, reações e gostos de seu dono, desenvolvendo uma personalidade própria, porém relativa e similar a de seu usuário para que exista empatia e conexão, e é quando ele cria Samantha, a companheira que ele sempre sonhou ter.

A história se passa em um futuro indefinido porém visualmente desconexo com seu tempo, onde a tecnologia virou uma parte tão viva dos humanos que eles se esqueceram de como eles mesmos são, ou de como se relacionam ou devem se relacionar entre si. A frieza e a distância da condição não apenas do personagem, mas de todos os demais, incluindo os figurantes, é representada logo no início do filme com um design de produção e figurinos que abusam de cores lisas e formas geométricas retilíneas, que oferecem uma bela fotografia, mas propositalmente são vazias e inexpressivas, como um catálogo de uma revista. Tudo muito simples, padronizado e dentro de uma organização comum, como se tudo fosse parte desse grande sistema operacional e as pessoas apenas mais uma ferramenta dele, tal qual uma cadeira, uma mesa, um computador e tudo mais que não tenha identidade, apenas uma função.

O mais estranho de tudo é que esquecemos que a voz que conversa com o personagem (feita por Scarlett Johanson), na verdade, é ninguém. Samantha é apenas mais um personagem virtual de interação que, como dito, age, reage e diz coisas que Theodore quer ouvir, sentir ou imaginar, tudo de acordo com as análises vocais, da relação do personagem com outros sistemas, no que ela também aprende com ele e com outras informações absorvidas, já que este sistema tem uma inteligência artifical de adaptação e aprendizado de tudo que está interligado a ele, como muitos sistemas que utilizamos na realidade hoje em dia como, por exemplo, os aplicativos de previsão de texto, que podem "aprender" o modo de escrita de seu usuário e fornecerem frases inteiras com apenas duas palavras conforme o aumento da experiência de uso.

Obviamente que o filme maximiza uma realidade que não existe, mas que está próxima (ou que chegará perto), já que a tecnologia, a cada dia que passa, tenta aumentar cada vez mais essa interatividade entre o homem e a máquina. De qualquer forma, isso tudo nos deixa claro como somos facilmente influenciados não pela tecnologia, mas pela nossa própria imaginação e fantasia, e ao invés de trocarmos essas idéias e vontades uns com os outros, a tecnologia tem nos favorecido a nos isolar cada vez mais dentro dela, algo muito cômodo, pois no medo de sermos mau interpretados, compreendidos, criticados e nos decepcionar com as reações alheias, estamos cada vez mais mergulhando em uma individualidade e em uma interação virtual que nos priva de sofrimentos, mas também nos impede de viver a realidade e aprender a lidar com ela.

De forma indireta essa busca pelo amor ideal e platônico ou a mistura do real com o imaginário já foi abordado em filmes anteriores como A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose Of Cairo, 1985) ou até no mais recente Ruby Sparks (2012), em que um escritor desenvolve um amor tão grande por uma de suas personagens que ela cria vida própria e é perfeita, até ele mostrar seus próprios defeitos que refletem na sua própria criação, o que se assemelha bastante ao conflito vivido neste filme entre Theodore e Samantha, quando ela passa a aprender com ele os seus próprios erros e a mostrar pra Theodore não uma personalidade própria, mas um espelho daquilo que ele realmente é.

A princípio até pode parecer que seja, mas o filme não faz parte da teoria de Isaac Aazimov de que uma inteligência artificial poderá desenvolver uma inteligência própria e independente, como em O Homem Bicentenário (Bicentenial Man, 1999), baseado em obra do próprio cientista, porque Samantha nada mais é do que a resposta de uma vontade do próprio personagem. Ela não tem idéias e sentimentos como diz ter, e ela não tem vontades e nem sensações, ela apenas expressa toda uma fantasia em resposta ao que ele mesmo cria, muito embora a função dela seja de fazê-lo acreditar de que aquilo é real. Theodore tanto acredita nisso que quando um de seus amigos diz que Samantha é hilária, nenhum deles sequer imaginam que ela é assim porque ele é hilário, mas ninguém o conhece dessa forma porque ele nunca se deu a oportunidade de se mostrar assim a não ser para ela.

Toda essa correlação entre ele e seu sistema faz existir uma empatia e uma conexão direta entre eles, florescendo o entusiasmo de uma amizade pelas afinidades e pela sinceridade nas quais ela foi programada a ter, que posteriormente amadurece a uma paixão por ser correspondido a algo que ele sempre buscou, e culminar no florescer do amor porque, para ele, ela é única. É a pura definição do verdadeiro amor platônico, que existe apenas dentro daquilo que ele imagina ser o ideal. A existência de Samantha também alimenta cada vez mais a solidão que ele tanto desprezou, mas que agora é confortável porque ela está presente, mesmo que não exista.

A diferença das relações fica clara quando sua amiga, Amy, em uma das sequencias do filme, conta os motivos e razões de seu relacionamento de oito anos ter acabado por algo tão banal, porém real e inevitável, mostrando que por mais que o tempo passe, por mais que os anos avancem e o homem evolua, ele nunca se habituará a isso, e fugirá de uma relação sempre que possível quando as dificuldades se tornarem maiores do que as vontades, e Theodore ouve tudo como se fosse uma história comum e banal, seguro de que entre ele e Samantha isso nunca irá acontecer.

Jonze não tenta em nenhum momento criticar a existência de tal tecnologia ou da possibilidade dela existir, até porque no filme isso é tão comum que ninguém se espanta quando o personagem revela "namorar" um sistema operacional. Ele muito menos também tenta sequer criticar o aumento da individualidade e da introspecção das pessoas frente a tecnologia, pelo contrário, ele mostra os seus prós e contras de forma sutil, como uma experiência de vida qualquer que deve ser desfrutada para próprio autoconhecimento, mas que em nenhum momento devemos ficar presos a ela ou a qualquer outra coisa, pois todas elas, independente de serem concretas ou abstratas, são vãs e passageiras, restando apenas o sentimento e a memória, já que são as únicas consciências reais e que ficam. Isso tudo é muito claro quando, em um diálogo bastante comovente, novamente a personagem de Amy Adams, sensibilizada quando Theodore confessa se sentir um louco por estar apaixonado por algo que não existe, diz que não há nada de louco nisso, e que depois de tantas coisas que viveu e na atual situação e época que se encontra, ela quer somente ser feliz, independente da maneira que seja, mesmo que com algo que não exista.

Em um mundo onde as pessoas contratam uma empresa para escreverem e forjarem suas próprias cartas à mão, quando elas mesmas estão tão vazias de sentimento e vontade que é necessário que alguém faça isso para elas, Jonze não economiza em mostrar que a busca pelo reconhecimento e do amor são como drogas, e que todos nós temos necessidade vital de tê-la e consumi-la, não importa como.

CONCLUSÃO...
Merecidamente Jonze levou todos os principais prêmios que concorreu por Roteiro Original, que é brilhante no seu desenvolvimento e no levantamento de questões sentimentais e existenciais, sincero nos sentimentos que carrega e uma lição de que experiências devem ser vividas intensamente para o crescimento e desenvolvimento do caráter, e que o amor é uma grande escola, pois é o sentimento mais sincero e humano que apenas os humanos tem, muito embora pouco sabemos lidar com ele.

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