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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

SULISMO GÓTICO EM SEU MELHOR EXEMPLO...

★★★★★★★★
Título: Matador de Aluguel (Killer Joe)
Ano: 2011
Gênero: Comédia, Crime, Ação, Suspense
Classificação: 16 anos
Direção: William Friedkin
Elenco: Emile Hirsch, Juno Temple, Matthew McConaughey, Thomas Haden Church, Gina Gershon
País: Estados Unidos
Duração: 102 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre um jovem endividado que resolve contratar um profissional para matar a mãe odiada por todos da família e finalmente salvar seu pescoço de uma dívida com o seguro de vida na qual a beneficiada será sua irmã.
O QUE TENHO A DIZER...
Filme dirigido por William Friedkin, o mesmo de O Exorcista (The Exorcist, 1973), diretor que não lança filmes com muita regularidade, mas que conseguiu o importante feito de, com o passar dos anos, se desvincular do seu filme de maior sucesso porque senão soaria como se ele tivesse feito apenas um filme relevante em toda a carreira, o que não é verdade. Friedkin sempre foi um grande diretor excêntrico, que adora temas malucos e bem estruturados, e nunca se importou em fazer filmes que fogem do público comum. E particularmente, ultimamente tenho admirado muito seus últimos filmes.
Desta vez ele trabalha novamente com o roteirista Tracy Letts, com o qual ele havia trabalhado no seu filme anterior, Possuídos (Bug, 2006), e ambos são baseados em peças teatrais homônimas do próprio autor.
Conta a história de Joe Cooper (Matthew McConaughey), um detetive que também trabalha como assassino particular. Ele é contratado por Chris Smith (Emile Hirsch), que está devendo uma grande quantia a traficantes por conta de sua mãe maluca que todos odeiam, a qual ele descobre ter uma apólice de seguros no valor de US$50 mil dólares. Ele convence seu pai, Ansel (Thomas Haden Church) a contratar Joe, que recusa a proposta porque só realiza o trabalho com pagamento antecipado, dinheiro que nenhum deles possui. Joe, então, resolve fazer um trato, realizar o serviço desde que Dottie (Juno Temple), irmã de Chris, seja uma garantia que ele possa usufruir até o seguro ser liberado e o pagamento feito. Mas as coisas não dão os resultados que eles esperavam, e muito menos saem da meneira como eles queriam.
Saber que o filme é baseado numa peça teatral é algo relevante porque raramente uma adaptação consegue oferecer um resultado satisfatório, já que os diretores geralmente ou tentam manter a mesma estrutura teatral ou tentam modificar tudo para que se encaixe melhor na película. Mas nesse filme os resultados são muito bons, e embora não pareça muitas vezes, a construção do roteiro e das cenas realmente mantém as estruturas de uma peça teatral com cada personagem tendo seu momento em diálogos bem pausados, cada ator entrando e saindo das cenas em seu tempo correto, e tudo funcionando de forma muito organizada e fluida. Friedkin já havia experimentado isso em Possuídos, o que funcionou de forma bastante impressionante. Se não fosse seu pulso firme e o pleno conhecimento do que fazer e como fazer as coisas, o filme teria sido uma bagunça.
Além de um roteiro matador, as atuações são excepcionais. É empolgante ver Gina Gershon de volta em um filme relevante, num tipo vulgar do qual ela nunca se desvinculou porque sempre conseguiu imprimir uma característica única, e que nesse filme vale até usar uma peruca pubiana. Thomas Haden Church, sempre em um humor sério e recalcado que consegue tirar risada até mesmo em momentos inoportunos. Juno Temple está bem diferente dos papéis anteriores e provando mais uma vez que é capaz de se tornar uma das grandes estrelas atuais. Claro que, querendo ou não, quem rouba a cena é Matthew McConaughey, com toda a sua panca de galã numa sexualidade rústica que não surpreenderia caso ele não desse o tom perverso e sacana a um personagem que apenas cresce, ao ponto de se torna assustador. Tanto é que o ator já recebeu sua primeira indicação como Melhor Ator ao Independent Spirit Awards na temporada 2013 de premiações (ao mesmo tempo também foi indicado na categoria Coadjuvante por Magic Mike).
Aliás, tirar risada em momentos inoportunos não é um privilégio só de Haden Church, mas de muitas partes desse filme que, ao mesmo tempo que é chocante, tem um tempo cômico incomum, pois é de um humor cruel que excede o sarcasmo e a ironia, sendo de uma brutalidade primitiva, absurda e espontânea por demais. E embora muitas comparações acabam sendo feitas,  não há nada a ser comparado com o estilo de Tarantino. Enquanto Tarantino se utiliza do extremo sarcasmo e ironia, para não dizer muitas vezes do cinismo e do constante uso do absurdo, a construção de toda a história de Killer Joe é baseada nas caracterísitcas de um subgênero específico da literatura norte-americana conhecido como Sulismo Gótico, ou Gótico Sulista.

Neste estilo as histórias devem se passar exclusivamente no Sul do País, incluindo sempre personagens estranhos, confusos ou desorientados, em locais abandonados ou decadentes, situações grotescas e qualquer outro evento sinistro relacionado ou vindo da pobreza, alienação, racismo, crime ou violência. Enquanto o estilo Gótico se utiliza de todas essas ferramentas para intensificar o suspense e o medo, o Gótico Sulista se utiliza delas para explorar problemas sociais e revelar o caráter cultural dos sulistas norte-americanos numa realidade distorcida e cômica. Por isso que quanto mais os personagens estão sujos, machucados e desorientados, e quanto mais as situações se tornam violentas, estúpidas e pervertidas, mais o tom dessa comédia absurda se acentua. Um grande exemplo de todo o contexto desse humor gótico é a cena entre Matthew McConaughey e Gina Gershon. Sem dúvida uma das mais estranhas, absurdas e engraçadas cenas que  lembro de ter visto.
Tudo só me faz concluir que a parceria entre William Friedkin e Tracy Letts resultou novamente em um filme fantástico, recheado de referências sólidas, que foge do padrão fantasioso para se tornar obra de um conteúdo psicológico e sociocultural fortíssimos, sendo melhor apreciado depois de estudado e compreendida as referências utilizadas para a construção da história e de personagens fortes, extremamente bem desenvolvidos e caracterizados.
Com um atraso de quase um ano para seu lançamento por conta de divergências entre a censura norte-americana e sua distribuidora, parece que o filme sofreu várias edições até chegar ao seu formato final. A outra parte infeliz de tudo isso é que novamente o diretor e os atores, tanto quanto o roteirista e o filme em si, poderão não ser tão ignorados na temporada 2013 de premiações tal qual aconteceu com Possuídos e a interpretação viceral de Ashley Judd em 2007, mas também não chegarão a receber os merecidos reconhecimentos.
CONCLUSÃO...
A parceria entre Friedkin e Letts repetiu o mesmo resultado surpreendente de Possuídos. Mas ao contrário do filme anterior, Killer Joe pode soar confuso a princípio, mas o roteiro, juntamente com todas as qualidades citadas, chega a ser até extremamente didático no seu clímax, tão didático que seria vergonhoso esclarecer qualquer detalhe. O fato é que Friedkin novamente não fez um filme se importando com o público comum, mas para um público mais sofisticado, que gosta de sair de sua zona de conforto e que vai fundo, onde quer que seja, para compreender toda sua concepção. Violento, sangrento e chocante, não agradará muita gente, mas a quem agradar irá se divertir com esse misto de sensações e absurdez.

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