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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A VIDA É UMA SUCESSÃO DE SUCESSÕES...

★★★★★★★★
Título: Bullhead (Rundskop)
Ano: 2011
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos
Direção: Michael Roskan
Elenco: Matthias Schoenaerts, Jeroen Perceval, Jeanne Dandoy, Barbara Sarafian, Robin Valvekens
País: Bélgica
Duração: 124 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um criador de gado de corte é abordado por um veterinário para que ele entre em um negócio circular bastante lucrativo com um negociador de carnes. O problema é que durante essas negociações uma parte importante de seu passado volta a tona, sendo a primeira peça de um efeito dominó que afetará não apenas ele, mas todos que estiverem relacionados a ele, direta ou indiretamente.

O QUE TENHO A DIZER...
Bullhead é um filme belga escrito e dirigido por Michael Roskam, sendo este seu primeiro longa metragem. O filme foi uma das surpresas do Oscar 2012 ao concorrer na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, perdendo para o iraniano A Separação (Jodaeiye Nader Az Simin, 2011).

Conta a história do criador de gado de corte Jacky Vanmarsenille (Matthias Schoenaerts) que é abordado por um veterinário que tenta convencê-lo a fechar um negócio circular e lucrativo com um grande negociador de carne. Porém, durante as negociações, Jacky se reencontra com uma peça fundamental de seu perturbado passado, o qual ele não vê há 20 anos. Seu amigo, Diederik (Jeroen Perceval), trabalha para o importante negociador, mas o que ninguém sabe é que ele na realidade é um informante da polícia infiltrado para tentar descobrir quem é o grande chefe do tráfico de hormônios, utilizados ilegalmente para acelerar o crescimento de rebanhos. Nesse meio tempo, um policial é morto durante uma operação, e Jacky acaba se tornando um dos suspeitos. O grande problema é que Diederik tenta tirar Jacky das suspeitas da polícia, afirmando que tudo é uma mera coincidência, mas para a polícia nada é fato do acaso. Ao mesmo tempo, o passado misterioso e intocável de Jacky acaba vindo à tona, numa sequência interminável de situações que levam a um inevitável final trágico.

A frase: "a vida é uma sucessão de sucessões que se sucedem sucessivamente sem suceder ao sucesso" nunca foi tão clara após assitir esse filme. O niilismo presente nele é o grande destaque, já que o efeito dominó interminável sobre os fatos acaba levando todas as situações a uma resolução trágica, sacudindo todos os pedaços que sobraram de verdades, sonhos e conquistas perdidas, traçando um caminho tortuoso e determinado a nunca encontrar uma saída, não apenas para o personagem principal, mas a todos aqueles que direta ou indiretamente estão relacionados a ele.

Esse ponto de vista trágico e negativista do filme se assemelha bastante a um outro filme puramente negativista dos irmãos Cohen, Onde Os Fracos Não Tem Vez (No Country For Old Man, 2007), no qual o personagem principal traça uma mesma tragetória desastrosa não apenas a ele mesmo como a todos que cruzam seu caminho. Talvez seja por isso que sua presença no Oscar tenha causado surpresa, já que a Academia também adora filmes com abordagens filosóficas como esse.

Não apenas filosóficas, como também psicológicas, o filme é de uma carga dramática forte e pesada. Jacky não apenas cria o gado como também se assemelha muito a esses animais em seu porte, comportamento, atitudes e até no tratamento hormonal pelo qual ele se submete. Tudo isso por conta de uma violência brutal sofrida quando era criança e que lhe trouxe consequências trágicas, físicas e psicológicas, e que ele carregará para o resto da vida. Portanto, o ambiente de trabalho de Jacky é uma alusão de que o personagem também é parte daquilo que vive, numa filosofia similar a de Lord Byron de que "não vivo em mim, torno-me parte daquilo que me rodeia".

O ator Matthias Schoenaerts desenvolve um papel brilhante. O seu olhar sempre cabisbaixo flameja em dor e angústia, além de conter todos os seus demais sofrimentos, tal qual como um boi quando olha para seu abatedor, na certeza de saber qual o seu fim. O seu jeito truculento e desajeitado, sua falta de delicadeza e destreza, são apenas reflexos de uma vida não vivida, sem experiências, buscando apenas algo que desafie sua força e novamente bloqueie seu caminho para que ele derrube com a própria cabeça. A fotografia do filme, o excesso de tomadas fechadas focalizando apenas a face do personagem ou seu isolamento, deixa mais explícito ainda o sentimento de prisão em que ele vive, de um homem sem futuro, introspectivo, de pouca fala e que reage sempre em atitudes brutas e estúpidas, preso em um passado que o atormenta todos os dias, arisco e esquivo a tudo. O excesso de angulos que acentuam a silhueta do ator em semelhança com um boi deixa clara que sua situação no filme é exatamente como o do gado em um curral, e quanto mais o filme se aproxima ao fim, mais acuado e irracional ele fica, como um bicho, como é dito a ele em um determinado momento. O grande problema é que ele não é um bicho, ele é uma pessoa incompreendida. E mesmo que alguém passe pelo mesmo que ele, ela nunca saberá como é andar sobre seus pés. As pessoas passam a ser somente aquilo que absorvemos facilmente, e ignoramos diariamente e a todo momento de que elas são consequência da história que vivem.

O filme também aborda sutilmente sobre alguns outros assuntos conforme os personagens se desenvolvem de maneira bastante eficiente e que coloca cada um em sua condição de sofrimento particular, tal qual a do protagonista. Também aproveita o paralelo sobre o tráfico de hormônios para também fazer uma crítica ao abuso dessa substância e as consequências desastrosas e imprevisíveis dela.

Não é um filme de fácil absorção e que pode decepcionar alguns que esperam um desfecho comum e redentor. Mas pensando bem, sim, ele também pode ser redentor caso tenhamos um ponto de vista positivo que se sobressaia sobre todas essas situações negativas. E é essa a intenção do filme, aprimorar nossa capacidade de visão positiva e negativa sobre as coisas.

CONCLUSÃO...
Como sempre, os filmes do norte europeu surpreendem em narrativas desconstruídas que se desenvolvem aos poucos. Bullhead não será o filme que muita gente espera. É pesado, negativo e drástico, mas que nos mostra algo que nós bastante ignoramos, de que o comportamento das pessoas é consequência de sua própria história.

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