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sábado, 6 de outubro de 2012

SÓ DEUS PRA SABER O QUE SE PASSA NA CABEÇA DELE...

★★★★★★★★
Título: Cosmopolis
Ano: 2012
Gênero: Drama, Suspense
Classificação: 16 anos
Direção: David Cronemberg
Elenco: Robert Pattinson, Sarah Gadon, Kevin Durand, Juliette Binoche, Samantha Morton, Paul Giamatti
País: França, Canadá, Portugual, Itália
Duração: 109 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Eric Packer é um multimilhonário que, através da sua limosine luxuosa e tecnológica, atravessa Manhattan para cortar o cabelo. Mas vários acontecimentos interceptam sua tragetória, como a visita do presidente dos EUA em Nova York, uma revolta anti-capitalista que toma conta das principais ruas, o assassinato de uma figura pública em rede nacional, e vários outras pessoas que aos poucos revelam que seu mundo magnífico de poder se transforma em ruínas a cada novo segundo.

O QUE TENHO A DIZER...
David Cronemberg sempre foi considerado um diretor controverso e que já explorou diversos gêneros cinematográficos (ele começou com o horror e depois foi mesclando esse gênero com a ficção, o suspense psicológico e o drama até alcançar um estilo próprio e irreprodutível), mas sua especialidade é chegar no limite do bizarro e colocar seus personagens como cobaias de experimentos frente a diferentes níveis de perversão. E quando falo de perversão digo no seu mais profundo sentido sexual e patológico, já que seus filmes sempre foram recheados de filosofias psicoterapeuticas, analíticas e até freudianas, como nos títulos Videodrome (1983), A Mosca (The Fly, 1986), Gêmeos (Dead Ringers, 1988), M. Butterfly (1993), Crash (1996), eXistenZ (1999), dentre muitos outros (senão todos).

Cronemberg, nascido no Canadá, nunca se preocupou com a fama e sempre recusou grandes produções por acreditar que os grandes estúdios são responsáveis por destruir grandes idéias. Ele sempre foi fiel a este pensamento, sendo um tipo de pessoa que costuma transformar uma atualidade aparentemente banal em algo a ser observado de perto e que, no fim das contas, é mais importante do que imaginamos. Sem dúvida ele sempre foi tido como um diretor muitas vezes incompreendido e às vezes difícil, tanto é que a frase "só Deus sabe o que se passa na cabeça de Cronemberg" é uma das primeiras coisas que quem conhece o seu estilo pensa. Seu visionarismo é tão amplo que seus filmes conseguem ser únicos ao ponto dele ser, dentre os diretores vivos mais cultuados, o único com o maior número de títulos considerados clássicos, filmes que se tornaram referência e com temáticas que sobrevivem ao tempo e às discussões.

Nos últimos anos ele tem se dedicado a filmes com construção mais lenta e realista, ainda bastante metafóricos, mas mais acessíveis. Mesmo assim, não deixaram de ser aclamados pela crítica, como os violentos Marcas da Violência (A Story Of Violence, 2005) e Senhores do Crime (Eastern Promises, 2007), e o penúltimo Um Método Perigoso (A Dangerous Method, 2011). Cosmopolis é mais um produto dessa sua safra menos bizarra.

Claro que ele mantém todas as características que o resgistraram ao longo das décadas: a câmera estática com angulações diagonais e incômodas, que intensificam a perturbação de idéias, discussões, austeridade e imposição; a fotografia pálida e monocromática; a tecnologia mais uma vez atuando como uma extensão do corpo humano; o medo das pessoas frente às transformações e mudanças; as atuações sutis e mecânicas dos atores; maquiagem, figurinos e cabelos artificiais, numa beleza sempre vulgar, como se todos fossem bonecos de uma vitrine barata; e, claro, a dificuldade do ser humano de lidar com ele próprio. Tudo isso faz parte de um único conceito para Cronemberg, a de que o ser humano caminha sempre para sua autodestruição.

Uma das grandes sacadas do diretor foi ter colocado Robert Pattinson para viver o personagem principal, e aquilo que poderia ter sido um grande desastre se transformou, talvez, no grande trunfo.

Pattinson não é um ator, ele é um mero produto hollywoodiano fabricado para satisfazer o desejo sexual adolescente e ser um ícone de sua geração que será lembrado no futuro como um mero objeto e nada mais, por mais que ele se esforce para tentar o contrário. Quem já assistiu alguns de seus outros filmes sabe o quanto ele desperdiça as oportunidades com suas expressões limitadas, suas caretas fora de hora e um inútil balançar de pescoço e cabeça na tentativa de dar algum tom teatral na cena. Fora os diálogos sempre monotônicos, sem qualquer carga de improviso cênico, típicos de atores amadores de teatro escolar. Ele é um ator tão ruim que chega a ser constrangedor, e se torna evidente que a escolha de Cronemberg se dá por conta de todas essas limitações somatizadas à arrogância natural que o ator carrega em sua imagem de playboy contemporâneo, despertando uma antipatia quase que imediata e inevitável do espectador.

Os paralelos entre o ator e o personagem são vastos, e até mesmo quem não suporta Robert Pattinson (como eu) irá absorver melhor o filme e ter uma experiência muito mais interessante se assisti-lo com esse ponto de vista irônico e - muitas vezes - sarcástico que o diretor aparentemente propõe. Pode não ter sido a intenção de Cronemberg fazer isso, mas não consigo tirar da cabeça que um diretor tão inteligente e que sempre primou em trabalhar com atores experientes e ousados tivesse aceito um ator fraco e indiferente apenas pela popularidade, até porque Cronemberg também nunca se importou com isso. A princípio, era para Colin Farrel interpretar o personagem principal, outro ator que também consegue atingir altos níveis de antipatia com o público quando quer. A diferença é que Colin é um bom ator e que sabe articular muito bem dentro daquilo que um diretor visualiza e propõe. Mas para esse filme, Cronemberg parece ter se interessado mais em uma figura real do que em uma interpretada. E frente a esse detalhe é que minha teoria se conclui.

Portanto, Pattinson veste o personagem Eric Packer como uma luva. Não há esforços para ele ser o personagem, da mesma forma como também é evidente que não há esforços de Cronemberg em dirigí-lo. Cronemberg inteligentemente deixa Pattinson ser ele mesmo, pois os defeitos natos do ator são as características fundamentais do personagem. O apelo sexual vazio e insosso que Pattinson desperta são essenciais para a jornada de Eric Packer durante sua longa e lenta migração em Manhattan para um simples corte de cabelo e sua decadência. Essa inconveniência do ator e do personagem já causa desconforto logo na primeira cena, depois de uma abertura simples com a trilha sonora de Howard Shore (longo colaborador do diretor), que mexe com a sensibilidade humana logo de cara, num misto de motivação, medo e angústia. A imensa fortuna e austera arrogância de Eric são tão grandes que ele acredita ser um homem detentor do poder em suas mãos, tal qual a imagem de Pattinson depois da fama. Ele nem ao menos olha para seus empregados enquanto conversa com eles.

O filme é claramente uma crítica ao capitalismo, às grandes diferenças de classes e a dentenção do poder nas mãos de poucos, mas tudo isso é feito de maneira refinada e nada panfletária, apenas através dos exageros e exacerbações do personagem principal e dos demais que cruzam seu caminho. Sua limosine acaba sendo nada mais do que uma representação do alcançável e inalcançável. Para ele é fácil abrir a porta e caminhar entre as pessoas, mas apenas algumas pessoas podem chegar até ele. A facilidade com que ele pode se relacionar e conseguir o que quer e no momento que quiser por conta de sua inesgotável fonte de dinheiro e poder o torna obsessivo com aquilo que não consegue ou não tem controle, como uma capela que não está a venda, sua recém esposa que recusa ter relações sexuais com ele, sua saúde e o medo da morte prematura. Conforme o dia passa e ele atravessa Manhattan, a valorização do Yen faz com que ele perca grandes quantias de dinheiro que também será responsável por sua queda e destruição. Óbvio que conforme sua queda se mostra cada vez mais íngreme, mais forte ele pretende se chocar no fim.

Qualquer comparação do filme com a atual situação econômica norte-americana não será mera coincidência. O livro ao qual o filme foi baseado, escrito por Don DeLillo, foi originalmente publicado em 2003, época em que a economia norte-americana começou a apresentar "discretos" sinais de socorro. Por conta disso o filme também tem sido comparado a diversas situações atuais que incluem a desvalorização do dólar e a silenciosa contenção desse naufrágio econômico que é um desastre para alguns e uma fabulosa oportunidade para economias emergentes.

É um filme frio e insensível, inteiramente justificado na capacidade do ser humano de se coisificar e diminuir o seu valor tal qual uma nota de papel, e acreditar que isso faz deles soberanos de algo que foi criado e não existe, mas é constantemente alimentado por uma ilusão coletiva. O final do filme pode parecer frustrante, mas metaforicamente é uma dúvida real que respiramos.

É um Cronemberg diferente e mais linear, mas nem por isso deixa de ser Cronemberg. Não é algo comum que pode ser reduzido simplesmente a um gostar ou não gostar, portanto, se alguém disser que o filme é ruim é porque não o entendeu, e se disser que adorou é porque vai querer pagar de intelectual. A grande verdade é que Cosmopolis é um filme discutível, aquele para ser assistido, seriamente refletido e discutido porque ele tem material em abundância para isso. É lento e também testa a paciência de muita gente, sendo bastante chato e massante para aqueles que não conhecem o diretor, e pior ainda para aqueles que não entenderem do que o filme se trata. Tanto é assim que ele não foi muito bem aceito no Festival de Cannes, onde estreiou, e muita gente tem deixado o cinema no meio do filme. Mas isso é o Cronemberg provocativo de sempre, por isso que seus filmes são para poucas... bem poucas pessoas mesmo, porque só Deus pra saber o que se passa na cabeça dele.

CONCLUSÃO...
Um filme para poucos, com certeza, e também para uns poucos a mais que agora podem ter a oportunidade de apreciar um Cronemberg menos confuso e mais preocupado com o significado do que com os significantes.

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