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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

BATMAN E SEUS AMIGOS...

★★★★★★★★
Título: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises)
Ano: 2012
Gênero: Ação, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Christopher Nolan
Elenco: Christian Bale, Tom Hardy, Anne Hathaway, Gary Oldman, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt, Michael Caine, Morgan Freeman, Matthew Modine
País: Estados Unidos, Reino Unido
Duração: 164 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Depois da morte de Harvey Dent no segundo filme, Batman assumiu todas as culpas do político corrupto, e posteriormente vilão, para que a Gothan visse em um cidadão comum um herói de verdade. Alguns anos se passaram e os tempos de guerra também, até uma nova ameaça ultrapassar os limites da cidade e os tempos de paz acabarem novamente, colocando em xeque não apenas sua resistência física, mas também psicológica.

O QUE TENHO A DIZER...
De todas as trilogias lançadas ultimamente, nenhuma chegou no nível alcançado por Batman. O Senhor dos Anéis (The Lord Of The Rings, 2001/2002/2003) consegue ser um exemplo único de excelência, mas nenhuma adaptação de quadrinhos conseguiu os méritos que Nolan conseguiu com Batman.

Tim Burton tentou fazer de Batman uma trilogia nos anos 90. Apesar do estrondoso sucesso do primeiro filme (arrecadou mais de US$400 milhões no mundo na época), o estúdio reprovou o clima sombrio e fantasioso que estavam muito mais fortes no segundo filme e que assustou um pouco a audiência, não repetindo o mesmo sucesso do primeiro filme. Pesadas críticas caíram sobre ele na época e os chefões exigiriam que o terceiro filme fosse mais leve e colorido. Burton, fiel ao seu estilo, recusou e gerou conflitos, se afastando do projeto para nunca mais voltar. Ele alegou que sua visão artística sobre as coisas é diferente da maioria das pessoas e que sua adaptação nada mais foi do que a forma como ele via o personagem. Na intenção de não ferir a visão comum novamente, além das pressões por todos os lados serem exaustantes, Burton prometeu nunca mais adaptar qualquer história em quadrinhos que fosse (ele havia recebido inúmeras propostas depois de Batman). E assim o fez e vem cumprindo.

Nolan conseguiu colocar as adaptações de quadrinhos em outro nível, justamente em um nível que Tim Burton havia tentado lá atrás. E é bastante irônico Burton ter sido duramente criticado quando, na verdade, ele foi um dos grandes responsáveis por ter traduzido o personagem numa linguagem mais popular e oferecido mudanças significativas que o herói teve tanto em caracterização, como em personalidade, aderidas em todas as mídias nos anos posteriores. Quem não se lembra da febre que foi os brinquedos do "Batman preto", como era chamado. O Batman do uniforme cinza e azul havia morrido, dando lugar a figura moderna e atualizada de Burton. Christopher Nolan aderiu muito da interpretação de Burton. A figura retraída, deprimida e soturna do personagem e o uniforme são bastante similares ao proposto por Burton no passado. Com excessão da arquitetura monocromática e biomecânica, a Gothan City de Nolan não é diferente da de Burton, já que a atmosfera gótica, fria e distante é a mesma. O foco de Nolan foi manter a fantasia dos quadrinhos e a realidade numa proximidade tangível, abordando fatos e personagens de maneira mais humana e menos extraordinária, dando explicações realistas para aquilo que antes era apenas justificativas fantasiosas e exageradas. Dessa forma, hoje podemos compreender melhor e de maneira mais verossímil porque Espantalho é um dos vilões mais assustadores, ou Coringa é o mais insano, ou Bane ser o mais forte e resistente. Até mesmo as "orelhas" da Mulher-Gato tem um fundamento e uma razão de existir na visão de Nolan.

O terceiro filme fecha um ciclo de história e de expectativa para aqueles que queriam um verdadeiro grand finale. Ele é grandioso nos seus 160 minutos praticamente imperceptíveis, com locações e cenários caóticos, muitos efeitos especiais e, principalmente, muita trama e conspiração que se enlaça perfeitamente com os filmes anteriores. Portanto, ter conhecimento dos dois primeiros filmes não é imprecindível, mas quem tiver terá uma experiência muito mais interessante.

Como foi dito em algum dos filmes anteriores e que não me lembro qual: "isso nunca tem fim". Essa frase é reafirmada de maneira diferente, mas o entendimento é o mesmo. O que não tem fim é o caos, e a proporção do crime, da corrupção e da passividade da população são ampliados como em uma lupa ao ponto de, em determinados momentos, entendermos de maneira clara as razões dos vilões fazerem o que fazem, pois essa ampliação nos deixa evidente os defeitos e as virtudes de seus atos. As justificativas dadas por eles também nos colocam em um muro sobre as atitudes do herói, nos levando a questionar se Batman existe para manter a ordem ou para manter o caos. Ele é um herói ou mais um perturbado que acredita estar fazendo o bem? Se ele é herói, por que ele sempre ajuda a manter a sociedade dentro de um platô de ignorância, ou dentro de uma mentira, como a de que Harvey Dent era um herói? Essas questões são levantadas em momentos chaves pelo mordomo Alfred, pelo detetive Blake e até mesmo por Bane e Selina.

Todos nós sabemos que o grande atrativo de Batman não é o personagem em si, que é sempre o mesmo depressivo, mimado e calculista que deixou de surpreender. A maioria das pessoas gostam do herói por causa de seus vilões que fogem dos padrões da insanidade, mas que sempre tem suas ações justificadas e até mesmo com fundos filosóficos e existencialistas. Outro ponto muito importante na franquia de Nolan é que ele soube não apenas escolher os vilões como desenvolvê-los nos filmes, dando espaço para apenas um de cada vez, ao invés de dois ou três como em outras adaptações de super heróis.

Dessa vez o sorteado foi Bane. Esse vilão surgiu nos quadrinhos em 1993. Para um herói que tem mais de 70 anos de história, Bane é um vilão relativamente novo a estar na lista dos mais grandiosos, poderosos e difíceis. Sua aceitação foi tão grande que o vilão ganhou preferência entre os fãs de forma quase que imediata nos quadrinhos. Ele chegou a aparecer pela primeira vez no filme Batman & Robin (1997), mas embora sua caracterização fosse bastante fiel à dos quadrinhos, sua personalidade era ridiculamente diferente. Nos quadrinhos Bane é um dos vilões mais inteligentes e cultos do mundo Batman, além de um exímio estrategista dependente de Venom, uma droga anabolizante que dá a ele naõ apenas a força e o tamanho que tem, mas também as alterações sensoriais e de comportamento. Mas no filme de Joel Schumacher ele foi retratado como um bombado paspalho de mentalidade limitada, o que revoltou por completo os fãs. A caracterização de Bane no filme de Nolan é forte porque Tom Hardy consegue fazer muito com pouco, mas não chega a ser impressionante e assustadora como deveria. Fisicamente concordo que Tom Hardy não tenha sido uma boa escolha para um papel que exigia um ator com largura e estatura verdadeiramente impressionantes, coisa que ele não tem, e por isso tentam a todo momento disfarçar a baixa estatura do ator com truques de câmera e angulações, mas isso pouco ajuda. Nem mesmo sua voz, que tenta ser uma releitura da cavernosa voz de Darth Vader, consegue causar um grande impacto. Em um filme com tanto cuidado técnico, deixaram passar um detalhe tão importante como esse. Logo na primeira fala do personagem o som destoa de todos os demais de maneira nítida. Não houve uma edição de som boa o suficiente para que, ao invés de colar a voz do personagem no filme, a inserisse dentro dele. A impressão que se tem é que a voz do personagem é uma gravação à parte. E realmente é. A voz do ator foi gravada, alterada digitalmente e inserida na pós-produção. Pra mim, foi um grande erro, porque quebra muito a proximidade entre o que está na tela e quem assiste.

Mas obviamente que a personagem mais aguardada pela maioria foi, sem dúvida, Selina Kyle, dessa vez interpretada por Anne Hathaway. Selina Kyle é a Mulher-Gato, mas neste filme ela não é chamada pelo nome de guerra em momento algum. São feitas apenas referências à figura da personagem, como as orelhas que ela usa durante o baile de máscaras (e seus óculos que, quando não usados, também parecem orelhas), seu uniforme que se assemelha bastante ao utilizado por Julie Newmar no sériado dos anos 60, e a forma como ela luta, que é bastante similar à de Michelle Pfeiffer em Batman, O Retorno (Batman Returns, 1992). Mulher-Gato é uma das personagens mais misteriosas e provocantes não apenas da DC Comics, mas da história dos quadrinhos. Ela não é uma heroína e nem uma vilã, ela é uma personagem solitária, feminista e contra o sistema, que rouba apenas para deixar os ricos com menos e não para proveito próprio. Tanto no filme de Tim Burton como agora, no filme de Nolan, essas características essenciais da personagem são mantidas, mas a abordagem tanto de Michelle Peiffer quanto de Anne Hathaway são bastante diferentes dentro de cada contexto. Fiquei um pouco desapontado e também concordo com quem não gostou da mudança de personalidade e direcionamento que ela sofre no decorrer do filme. Remorso, compaixão e companheirismo estão longe de ser adjetivos da personagem, e são qualidades que ela se aproxima bastante no filme de Nolan. De qualquer forma, mesmo sua personagem começando muito forte e perdendo a força no decorrer do filme, Anne Hathaway surpreende diversas vezes e conseguiu superar as expectativas, não tentando copiar ou disputar com nenhuma das anteriores, mas criando uma Mulher-Gato própria. Certamente ela já se tornou uma referência tanto quanto é Michelle Pfeiffer ou Julie Newmar. Corre a boca pequena que, entre Batman e Bane, Mulher-Gato é a personagem com maior índice de popularidade no filme, o que tem deixado o estúdio uriçado para tocar um novo projeto apenas dela e apagar o fiasco de Hale Barry da memória de todos.

Nolan já havia se consagrado um grande diretor com O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008), mas neste filme sua qualidade é impecável. Em nenhum momento ele tenta fazer dessa terceira parte algo melhor que os anteriores, da mesma forma que em nenhum momento também podemos dizer que é inferior. Com a última parte da trilogia ele definitivamente conseguiu criar uma história única dividida em três partes, o que não o livra de críticas, mas que dá o mérito que pouquíssimos diretores conseguem: manter o nível de uma série. É a noção exata do que ter em mente, saber como passar para o papel e conseguir traduzir em imagens. O domínio do processo criativo.

O filme começa com a frase: "eu acreditava em Harvey Dent". E por toda e ignorante Gothan City acreditar em Harvey Dent, Batman preferiu que assim fosse ao invés de desmentir o homem de duas caras. E a partir disso o filme se desenvolve, e também ajuda a mostrar a outra face de cada um, trazendo à tona importantes revelações que chegam até a surpreender algumas vezes. Há até algumas referências e brincadeiras que ninguém esperaria. O baile de máscaras e a abordagem de Bruce Wayne e Selina Kylie oferece um leve e interessante deja vu de uma cena similar em Batman, O Retorno, ou a participação de Cillian Murphy como o Juíz, após a explosão do presídio, que também é um episódio presente nos quadrinhos.

Particularmente eu esperava uma resolução mais trágica ou uma grande batalha de fato, tanto quanto foi nos quadrinhos, mas isso só teria acontecido se não fosse o fim de uma trilogia. De qualquer forma, não posso dizer muito mais sobre o filme porque ele consegue surpreender bastante, e apesar de algumas coisas que considerei desagradáveis, saí do cinema bastante satisfeito e nenhum pouco enganado. Embora a trilogia seja baseada fortemente na série de Frank Miller, O Cavaleiros das Trevas Ressurge (1986), este último filme também tem grandes referências de um período nos quadrinhos entitulado A Queda do Morcego (Kinightfall). Logo, quem conhece ao menos o básico desses dois períodos não só vai prever muito do que acontece no filme como também vai encontrar várias outras similaridades e referências que eu poderia contar, mas seria estragar as surpresas que não apenas Nolan, mas como todos os atores conseguiram guardar tão bem.

CONCLUSÃO...
Um dos raros momentos em que é possível sair do cinema satisfeito com o fim de uma trilogia. Há uma linearidade e coerência entre os três filmes que só é compreendida depois de terminar de assistir esta terceira e última parte. Não chega a ser perfeito, mas os defeitos ficam facilmente debaixo da sombra das qualidades que aparecem porque, depois dos dois primeiros filmes, não estamos mais interessados muito no que há para mostrar, mas no que há para ser contado e como tudo vai terminar. Há o fato de podermos ter a oportunidade de interpretar outras facetas do herói frente a seus constantes erros.

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