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quinta-feira, 12 de julho de 2012

PODE RIR, SAM RAIMI...

★★★★★
Título: O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man)
Ano: 2012
Gênero: Ação
Classificação: Livre
Direção: Marc Webb
Elenco: Andrew Garfield, Emma Stone, Rhys Ifans, Sally Field, Denis Leary, Martin Sheen
País: Estados Unidos
Duração: 136 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Conta novamente a mesma história de como um simples estudante que vive solitário, ignorado e zombado por todos, se transforma em um híbrido entre homem e aranha, passando a usar suas novas habilidades para ajudar a combater os crimes e os vilões da cidade.

O QUE TENHO A DIZER...
É difícil começar a escrever sobre esse reboot da série porque o tempo no cinema corre muito mais devagar do que na vida real. O primeiro filme da trilogia de Sam Raimi tem apenas 10 anos de idade, e o terceiro e último episódio tem apenas 5 anos. São raros os filmes que são considerados clássicos praticamente de maneira instantânea, mas, geralmente, além de ser obrigatório a qualidade e alguma certa originalidade em vários quesitos, o tempo também ajuda, já que os clássicos também costumam ser difíceis de ser superados e o público é exigente nesse aspecto.

Ultimamente o cinema hollywoodiano tem sofrido de uma falta de criatividade e ousadia, já que o público que hoje frequenta os cinemas é diferente, tem interesse por pouco e se dispersa muito rápido. A velocidade da informação foi fundamental para as mudanças, e para chamar esse novo público ao cinema foi necessário mudar os padrões, transformando qualquer tema comum em uma grande catástrofe, encontrando nos super-heróis a saída perfeita para conseguir dinheiro fácil já que eles oferecem muita ação recheada por boas histórias, quando antigamente era o contrário. Além disso, voltamos a era das continuações infinitas e também inauguramos uma outra era, a era dos chamados reboots, termo que, traduzido literalmente, significa "reiniciar".

Algumas séries de filmes tiveram razões para ter um reinício como, por exemplo, a série Batman, que foi destruída pela falta de visionarismo do diretor Joel Schumacher, que não soube manter o legado deixado pelas duas primeiras adaptações de Tim Burton, e que são hoje consideradas clássicas. O diretor Christopher Nolan surgiu com uma idéia fantástica de manter o tom obscuro de Tim Burton, deixando-o mais denso e pesado, mas em um tom mais realista e menos fantasioso. Essa repaginada deu mais humanidade aos personagens, o que funcionou muito bem na nova trilogia que termina neste ano. O reboot de Batman teve uma razão e sentido muito fortes, já que Nolan quis recomeçar do zero e fazer das continuações não o carnaval que havia se transformado antes, mas uma história única em três partes que foi baseado fortemente na mini-série de quadrinhos O Cavaleiro das Sombras.

Essa mesma tentativa está sendo feita com Homem-Aranha, mas não parece ter sido muito inteligente, pois é como se quisessem apagar da memória das pessoas que houve uma série anterior e de superior qualidade em todos os aspectos, além de deixar evidente que esse reboot nada mais é do que um caça níqueis sem freios.

Os dois primeiros filmes da trilogia de Sam Raimi também já são considerados clássicos, pois o diretor, que também era fã do personagem e dos quadrinhos, tentou ser o mais fiel possível. Algumas mudanças foram feitas, mas necessárias para uma melhor aproximação não apenas do personagem para os cinemas, mas também para o nível de aproveitamento de detalhes que haviam nos quadrinhos para a realidade. Tanto que essas poucas mudanças posteriormente foram incorporadas nas novas versões dos quadrinhos.

Na adaptação de Sam Raimi, a construção do personagem e o desenvolvimento de sua história, desde quando Peter Parker era apenas um estudante até sua transformação em um super-herói, foi gradual, coerente e sem tropeços. Quando Peter é picado pela aranha, desde a forma como isso aconteceu, sua transformação, até as descoberta de suas habilidades, foi tudo justificado e realista. Este foi o grande mérito do experiente roteirista David Koepp que, unido à forma como Raimi contou a história, era como se estivéssemos lendo os quadrinhos, havendo sempre um leve suspense no ar sobre o que é que iria acontecer em seguida. No segundo filme, mas com roteiro de Alvin Sargent, Peter estava em dúvidas entre ser um super-herói ou ter uma vida normal com sua tão amada Mary Jane. Novamente os méritos do diretor e do roteirista se destacam quando pudemos sentir o sofrimento do personagem por não conseguir encontrar um meio termo entre seus dois grandes objetivos. O terceiro filme da série, como Sam Raimi mesmo já chegou a afirmar, foi um grande erro, pois foi feito muito mais pela pressão do estúdio e dos fãs do que por sua própria vontade. Houve a troca de vários profissionais, o tempo entre a pré-produção e o lançamento do filme foi extremamente curto e a queda da qualidade foi nítida, mas nem por isso podemos desmerecer as qualidades dos dois primeiros filmes.

Nesse novo início da série, que agora incorpora o ESPETACULAR no nome, mas de espetacular há nada. O diretor Marc Webb demonstrou não haver experiência suficiente para conduzir um filme que ousou ser melhor que o de Sam Raimi, até mesmo porque ele possui apenas um filme em seu currículo, o delicioso, realista e sutil 500 Dias Com Ela (500 Days Of Summer, 2009), mas realismo e sutileza não se enquadram aqui. O roteiro foi desenvolvido a seis mãos por James Vanderbilt, Alvin Sargent e Steve Kloves. Os mais conhecidos são Steve Kloves e Alvin Sargent, o primeiro escreveu o roteiro de vários filmes da série Harry Potter, e o segundo foi o roteirista dos dois últimos filmes da série de Sam Raimi.

Eu sempre digo que é necessário desconfiar de roteiros que são escritos por mais de uma pessoa. Quando isso acontece geralmente o restuldado não é bom, pois costuma significar que o roteiro não tinha qualidade suficiente, tendo que sofrer várias transformações até o produto final. A regra é clássica e cai como uma luva aqui. A construção do personagem é perdida e a coerência dos acontecimentos não existe. Tudo acontece de forma precipitada e falsa. Tudo bem que já conhecíamos a história, já que ela é a mesma do primeiro filme da trilogia anterior (só muda alguns elementos), mas não era necessário tratar tudo com tanta superficialidade para dar mais atenção às cenas de ação.

Peter Parker, que antes era um jovem bitolado que usava óculos, camisa de cores lisas e engomadas, apaixonado pela vizinha, por fotografias e com os hormônios explodindo pela pele, agora se transformou em um adolescente um pouco rebelde, que passou a usar jaquetas e calça rasgada, trocou os óculos por lentes de contato, sua paixão por skate agora é maior do que pela fotografia, adora internet e pouco demonstra seus sentimentos pela colega de sala que se derrete toda vez que o vê. E o Homem-Aranha... bom, o Homem-Aranha agora pratica pakur com mochila nas costas.

Só nessa construção já observamos muito bem que há nisso uma tentativa de acesso ao público adolescente mais atual e que não enxergava na caracterização de Tobey Maguire um exemplo. Um grande erro, já que a personalidade e as características de Peter Parker nos quadrinhos clássicos é a mais próxima e fiel feita na primeira trilogia. Por isso que a escolha de Tobey foi certeira, porque ele não precisava vestir uma roupa social para mostrar que não se enquadrava entre seus colegas, isso era visível só de olhar para a feição de garoto ingênuo e bonzinho do ator, da mesma forma que só de olhar para os cabelos de Andrew Garfield percebemos que ele faz parte da geração punk-pop.

Portanto, o approach do filme é especificamente para o público adolescente e que agora acompanha as novas aventuras do herói nos quadrinhos e na televisão, e não mais para todos os públicos, como foi na versão de Sam Raimi, havendo uma desconstrução de tudo para o bem do lucro. O que nunca se mostrou necessário, já que a primeira trilogia arrecadou mais de 2,5 bilhões de dólares pelo mundo.

O mesmo pode ser dito para as cenas de ação e aos efeitos especiais. Nenhuma cena de ação supera às dos filmes de Raimi, que souberam fazer jus à geração pós-Matrix e misturar malabarismos e câmera lenta num balé de efeitos que dá prazer aos olhos, mostrando os detalhes das acrobacias do herói e que não eram apenas as teias o grande motivo dele ser considerado um homem aranha. Nesta versão de Marc Webb, não há nada prazeroso ou espetacular além do estiligue humano, coisa que já havia sido mostrada antes. Nem mesmo os malabarismos em primeira pessoa foram usados com tanta intensidade como foi proposto no trailer, o que é bastante frustrante para quem esperava muito por isso, como eu, me sentindo enganado quando o filme acabou.

Os fãs sempre quiseram o Lagarto para ser um dos vilões na época em que Sam Raimi era responsável pela franquia. Ele mesmo chegou a declarar que embora Lagarto fizesse parte da lista dos grandes vilões clássicos do herói, ele não seria interessante na adaptação para o cinema pois não teria a grandiosidade que merecia devido a dificuldade da construção de sua história e da sua caracterização. Raimi estava certo. A construção da história do personagem até sua transformação como vilão é banal, sendo desenvolvida como se fosse apenas uma angústia adolescente de fazer o que não deve de pirraça por conta da castração de uma vontade. A caracterização feita inteiramente por computação gráfica é estranha, parecendo um boneco de plástico tal qual aconteceu com Hulk, com uma feição mais parecida com a de uma múmia mascarada do que de um lagarto assustador e nojento, como era nos quadrinhos. Sem contar que qualquer semelhança entre o desenvolvimento das histórias dele e do Duente Verde no primeiro filme de Raimi é mera coincidência (!).

E na boa, nenhum vilão pode ser levado a sério quando sua primeira frase de impacto é: "você me deteve uma vez, mas não vai me deter de novo", como é a primeira frase do Lagarto ao estar cara a cara com o herói.

Sem contar das várias situações de deja vu. Como a inspiração da máscara, ou as frases: "você terá muitos inimigos", "pegue sua máscara, você precisará dela" e "a cidade precisa de você".

A única sequencia que achei genuinamente interessante é quando Stan Lee faz uma aparição com fones de ouvido, ouvindo uma música clássica. Sem dúvida a melhor das aparições que ele já fez nos filmes. Para quem não sabe, Stan Lee é o criador dos grandes heróis da Marvel, e é sempre o velhinho que aparece rapidamente nos filmes que tenham seus super-heróis.

Mas as atuações valem o filme. Embora Andrew Garfield mostre uma faceta mais atual, ele é convincente como um adolescente incompreendido e traumatizado. Emma Stone, como Gwen Stacy, o primeiro grande amor de Peter Parker, é a verdadeira mocinha, e mesmo Emma sendo uma das novas estrelas em ascenção por ser boa atriz e não ter uma beleza padrão, ela não se sobrepõe sobre os demais quando aparece. Claro que Sally Field, como a Tia May, dispensa comentários, mesmo Tia May tendo 20 anos a menos nessa versão, o que Raimi provou que idade não limita nada quando Dr. Octopus sequestra a velhinha no seu segundo filme.

Marvel e Sony já declararam que haverá mais duas continuações, mas acho que já ficou muito claro que a minha preferência não é pela trilogia anterior, mas pelos dois primeiros filmes de Raimi, já que, além de ter sido uma excelente adaptação bastante fiel em sua essência, também foi dirigido por um grande diretor que conhecia a fonte, sabia desde o princípio como tudo deveria ser feito, para quais públicos direcionar e soube conduzir com maestria cenas e seqüencias que dificilmente serão superadas.

CONCLUSÃO...
Para os fãs ou aqueles que tem conhecimento dos quadrinhos clássicos e se sentiu satisfeito pelo menos com algum dos filmes da trilogia anterior, essa nova versão da mesma história é fraca e insossa, deixando de lado um personagem com características incomuns de lado para dar e chamar atenção de um público novato e que desconhece suas origens em uma história vazia e com a cenas de ação que não impressionam tanto quanto muita gente imaginou. Além do fato evidente de que esse reboot é só para gerar mais alguns milhões de dólares e nada mais.

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