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terça-feira, 17 de julho de 2012

DELICADO...

★★★★★★★★
Título: Tomboy (Tomboy)
Ano: 2011
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Céline Sciamma
Elenco: Zoé Heran, Malonn Lévana, Jeanne Disson, Sophie Cattani, Mathieu Demy
País: França
Duração: 82 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre uma menina de 10 anos de idade que, pouco tempo depois de mudar para uma nova vizinhança, passa a se apresentar como um menino e a partir daí uma decisão é feita e que poderá afetar toda sua vida.

O QUE TENHO A DIZER...
Este é o segundo filme dirigido pela diretora e roteirista Céline Sciamma e, assim como o seu filme anterior, o pouco conhecido Lírios D'Agua (Naissance des Pieuvres, 2007), a temática fica num período que é bastante definitivo em muitas coisas na vida do ser humano, a adolescência.

Tomboy é o termo que se refere a meninas que agem, se vestem, praticam atividades e possuem características de meninos e, embora exista uma relação com o lesbianismo, nem sempre uma característica leva à orientação sexual e/ou vice-versa.

Como anualmente é de praxe, sempre surge um filme para ser a referência desse gênero naquele ano, e esse foi o principal deles em 2011, também encabeçando a lista dos filmes importantes nas temáticas de discussões sexuais envolvendo a trangeneridade e as orientações. Um prato cheio pra quem é militante de causas ou simplesmente gosta de discutir a complexidade sexual. Não é à toa que foi um filme elogiadíssimo em todos festivais da diversidade em que foi apresentado, recebendo também alguns prêmios importantes não pelo gênero, mas como obra cinematográfica.

Eu particularmente não gosto muito dessa coisa de pegar uma obra e datá-la, taxá-la ou rotulá-la como um exemplo da comunidade sexualmente diversa. Arte é arte, ela não tem nome, não tem sexo, não tem idade e é absorvida de maneira diferente para cada um, em maior ou menor intensidade.

É um filme delicadíssimo, mas que possui uma carga psicológica muito maior do que aparenta, principalmente para as pessoas que conseguem identificar e compreender as dificuldades, os temores e se colocar inteiramente no lugar da personagem principal, Laurie (Zoé Héran), uma pré-adolescente de dez anos de idade que naturalmente apresenta características trangêneras, ou seja, embora seja do sexo feminino, apresenta características que não se enquadram nas atribuições de gênero dadas pela sociedade. Juntamente da mesma forma como sua orientação sexual passa a ser descoberta juntamente a isso.

Essa atribuição de gênero é demonstrada logo no começo do filme quando, na rua, ela é confundida com um menino. Essa cena é extremamente importante para todo o filme porque tem um impacto muito grande ao colocar a personagem em dúvida com ela mesma, acendendo os questionamentos sexuais inerentes de seu período de vida, época em que não existem muitas diferenças físicas entre meninos e meninas além do sexo. Essa dificuldade de diferenciar um do outro é constantemente abordada, deixando claro que todo pré-adolescente está enquadrado em uma transgeneridade natural, e o que os diferem na sociedade são seus comportamentos sociais.

O comportamento social de gênero impõe que os meninos ajam como meninos: joguem bola, andem sem camisa, cuspam na rua, briguem. Enquanto as meninas devem agir como meninas: serem delicadas, comportadas e brincarem de boneca. Laurie não se enquadra nesse comportamento dividido, ela prefere muito mais sair para jogar bola do que brincadeiras mais caseiras com sua irmã mais nova, que no filme é o exemplo da menina social; prefere os cabelos curtos, porque são mais práticos; prefere as bermudas e regatas porque são mais confortáveis; não gosta de maquiagem porque não está acostumada.

Pelo receio de ser rejeitada entre os meninos, ela resgata a idéia de poder ser confundida com um, se apresentando a todos do bairro como Mickael, e como o aspecto visual a caracteriza como um, ela então é aceita.

O filme se transforma numa montanha russa a partir do momento que Mickael se envolve em uma briga com outro garoto e sua mãe descobre que Mickael, na verdade, é sua filha. A partir daí o conflito social e psicológico se chocam frente a frente, num drama real entre como se posicionar socialmente e como solucionar sem ser traumatizante o suficiente para trazer consequencias desastrozas durante o amadurecimento físico e psicológico da personagem.

A partir daí é possível traçar várias discussões, desde o posicionamento da mãe, se teria sido melhor ou pior agir justificavelmente como ela fez, até o posicionamento das outras pessoas e do assédio que Laurie sofre depois que é revelado o segredo que ela escondia. Também é possível discutir se a orientação sexual da personagem simplesmente se aflorou com as decisões ou foi direcionado por conta das decisões. Para mim, o fato da personagem ser uma pré-adolescente facilita a absorção do sofrimento e das angústias que ela passa por partilharmos da inocência e da naturalidade que a idade carrega, o que seria diferente se fosse um filme tratando da mesma abordagem com personagens adultos, o que é mais um ponto positivo para a roteirista e diretora em como carregar o público com leveza em cima de um assunto bastante polêmico.

A direção e o roteiro são bastante sutis e respeitam os limites de todos os personagens. Um filme lento, mas que nos insere na vida de Laurie, que é apenas uma mero exemplo de experiências e fatos comuns entre muitos, sejam homens ou mulheres. O elenco juvenil é outro ponto forte e em nenhum momento sentimos que estamos no meio de atores amadores, embora muitos deles sejam.

CONCLUSÃO...
Mesmo sendo delicado, há momentos difíceis e angustiantes, pois mostra os limites da tolerância e os constrangimentos que as pessoas tem que passar, muitas vezes ainda na infância, simplesmente para justificar para a sociedade comportamentos que fogem das regras que ela mesma impõe na dicotomia homem/mulher e nada mais, como se o ser humano fosse simples dessa forma.

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