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quinta-feira, 30 de julho de 2020

JOGO DO PODER E DA NARRATIVA...

★★★★★★★☆☆☆
Título:
 The Morning Show
Ano: 2019
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos
Direção: Vários
Elenco: Reese Witherspoon, Jennifer Aniston, Steve Carell, Mark Duplass
País: Estados Unidos
Duração: 60 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Os bastidores de um programa de notícias matinal, após escândalos envolvendo um de seus apresentadores, transforma o ambiente em um campo de guerra pelo poder e da narrativa.

O QUE TENHO A DIZER...
É inegável que The Morning Show é bem produzido, com uma história que não é nova, porém interessante da maneira como é conduzida.

Não é uma comédia, embora seu elenco seja predominantemente de atores que vieram do gênero; não é um drama denso porque ele não é melodramático, mesmo havendo momentos para tal; não é um suspense, embora haja situações bem tensas. Também não é uma série biográfica, mesmo tendo muitos elementos da realidade por trás da indústria do entretenimento, da manipulação, do sexismo e do patriarcalismo.

Contando a história fictícia dos bastidores de um dos programas mais assistidos da televisão, tudo parece virar uma maré de azar quando Mitch (Steve Carrell) é denunciado anonimamente sobre sua conduta sexual inadequada há anos dentro do ambiente de trabalho, sendo demitido apenas algumas horas antes do programa ir ao ar e da notícia ser publicada, deixando sua parceira, Alex (Jennifer Aniston), com quem dividia a bancada há 15 anos, sozinha como alvo de choque para toda a polêmica.

O peso da responsabilidade de ter de salvar a audiência do programa, de sua imagem e reconquistar a confiança do público cativo junto à falta de apoio de sua equipe de produção, que escondeu o fato até o último instante, a leva a um colapso nervoso. O dono da emissora UBA, junto a Cory (Billy Crudup), chefe de programação, se aproveitando da situação vulnerável em que ela se encontra, começam a traçar planos para manipular a narrativa e desviar as atenções para amenizar os danos causados pela inesperada bomba que desestabilizou os bastidores de um programa que sempre se pautou conservador.

No meio de tudo isso há Bradley (Reese Witherspoon), uma jornalista de um pequeno canal que viraliza nas redes sociais após ser gravada aos berros contra um homem que agrediu o seu câmera durante a cobertura de uma manifestação. Taxada como difícil e instável, ela se demite após ter sua conduta reprimida pelo seu chefe.

A situação se mostra favorável para Cory transforá-la num bode expiatório perfeito para sensacionalizar mais ainda toda a questão envolvendo as polêmicas do The Morning Show ao tentar engatilhar uma inimizade e uma dissimulada competitividade entre ela e Alex. Mas aquilo que parecia um excelente plano ousado de contingência para garantir a audiência e os patrocinadores, vira um arriscado jogo de poder e narrativa onde a conduta questionável de todos é posta a prova e uma guerra moral emerge.

Esse resumo é apenas a ponta de todo iceberg da mirabolante trama apresentada. Há muito mais que acontece em apenas os três primeiros episódios do que se pode imaginar, e é dessa forma bem rechonchuda que toda a série se desenvolve por seus 10 episódios.

Vale fazer um parênteses aqui de que conduta sexual inadequada é diferente de assédio ou violência sexual, e essa confusão é bastante comum. No caso abordado na série, seria um indivíduo se relacionar sexualmente com outros colaboradores com consentimento, mas essas relações darem margem a possibilidade de se estabelecerem outras relações de poder, imposição ou de interesse além do estabelecido profissionalmente.

Não é para menos que a série foi um imediato sucesso para uma estréia original da Apple TV, bem como uma das mais comentadas entre 2019/20. Uma das mais caras também logo em sua primeira temporada, onde apenas o salário das duas atrizes principais somam US$4 milhões por episódio. Portanto, é evidente que a Apple iria fazer de tudo para que não houvesse erros no processo. E muito de seu êxito, sem dúvida, é das atrizes, que também são as produtoras executivas. Witherspoon, que já está bastante gabaritada no assunto ao também ter produzido os sucessos Big Little Lies e o igualmente recente Little Fires Everywhere, incrementa com Aniston o discurso da sororidade que tem promovido na indústria nos últimos anos e que está dando muito certo com produções de inegável qualidade e que tem fortalecido o protagonismo feminino que sempre foi ignorado.

É claro que, não por essas razões, o produto final não apresente defeitos, muitos deles vindo do roteiro que, com tantas tramas, subtramas e constantes conflitos e reviravoltas, dá uma derrapada aqui e alí no desenvolvimento dos personagens ou em algumas motivaçôes rasas que poderiam ter ficado de fora para dar mais foco a coisas mais relevantes. Como o personagem de Steve Carell, que no fim das contas é irrelevante e esquecível, embora aparente não ser pelo foco que a produção dá à imagem do ator. Sua trama poderia ter sido embutida em qualquer outro personagem, fazendo dele um excesso desnecessário, que mais desvia a atenção do que agrega. Sua interpretação também é exagerada, apelando no tom dramático em vícios de interpretação característicos, como a forçar a impressão de que ele domine como ninguém a arte do improviso, mesmo que tudo seja roteirizado.

Maneirismos e vícios interpretativos também são o que impedem Aniston de dominar como poderia, desperdiçando a excelente oportunidade de finalmente se desvincular de Rachel Green de uma vez por todas. Igualmente peca no excesso assim como fazia em Friends, não havendo um momento que ela consiga manter a sobriedade de uma cena sem sair do tom com algum exagero caricato e desmedido, inclusive naqueles momentos onde o silêncio diria mais do que qualquer ação. Mas ela não consegue se conter. A desestabilidade emocional e psicológica de sua personagem justificam, mas seus exageros se tornam cansativos porque não são bem dosados ou dirigidos. E tudo sempre acaba com uma bufada ou um suspiro alto, de toda maneira possível e imaginável.

Ou seja, para Aniston e Carell, The Morning Show se torna uma oportunidade para ambos desenvolverem mais uma vez os mesmos personagens histriônicos e egocêntricos do passado assim como fizeram em Friends e The Office respectivamente, mas agora com um leve viés dramático, ao invés de inovarem como um todo, assim como ela fez em Cake (2014) ou ele em A Grande Aposta (2015), trabalhos excepcionais, diga-se de passagem. Sim, há momentos em que ambos conseguem desenvolver cenas dramáticas intensas, mas na maioria das vezes aquela sensação de tudo ser uma mera piada fica no ar, como no momento em que Alex tem uma crise emocional ao entrevistar um homem que salvou 50 cachorros de um incêndio na Califórnia, a interpretação de Aniston a princípio parece uma chacota, não sendo coerente com a instabilidade da personagem que a cena tinha a intenção de passar.

Witherspoon também não escapa com sua personagem, mas aqui o erro vem do próprio roteiro, que a todo momento a coloca em situações contraditórias, como defender um jornalismo verossímil, mas acabar parando na bancada do programa que ela mais criticava. Ou se tornar vítima de si mesma a todo tempo, jogando-se em situações constrangedoras quando podia ter evitado, e depois se vitimizando por isso. A sensação de que Bradley é utilizada apenas como um objeto de interesses não convence como deveria porque essa imagem de pessoa ingênua e altruísta que às vezes tentam desenvolver para justificar suas decisões impulsivas não encaixam com toda a sagacidade que sua personagem tem.

As idas e vindas de situações, clássico e cliche elemento dispersivo, muito utilizado em séries para dar a falsa expectativa ao espectador de que a trama seguirá outro caminho apenas para estender a narrativa, voltando para o ponto de partida logo depois, é incansavelmente usada aqui. É um show de personagens que pretendem fazer algo, mas desistem, para depois voltarem atrás e darem continuidade àquilo outra vez, apenas para o roteiro comer minutos desnecessários do tempo e da paciência de quem assiste

Exageros criados para intensificar a dramaticidade, e que surpreendentemente funciona mesmo assim. Ao mesmo tempo que personagens e roteiro muitas vezes se chocam sem sentido, a construção da idéia e o desenvolvimento das situações encobrem esses deslizes e faz do seriado um atraente produto para entreter e inevitavelmente nos questionar a todo instante quem é que está certo e quem está errado, e de repente toda suposição que criarmos se inverter até mesmos em situações bastante óbvias. De forma impressionante é que os coadjuvantes tem seus espaços bem definidos e nenhum deles é esquecido, havendo oportunidade para todos crescerem e se desenvolverem bem nas tramas.

Como um todo, é um Game Of Thrones dos dias atuais, onde o império da indústria midiática é pautada como um grande símbolo consumista, imoral e parcialista como de fato é, sempre foi e será.

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