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quinta-feira, 17 de maio de 2018

QUANDO A FALTA DE QUALIDADE CONSTRANGE...

★★☆
Título: Velhas Amigas
Ano: 2018
Gênero: Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Carla Albuquerque, Beto Ribeiro
Elenco: Carla Pagani, Keila Taschini, Alejandra Sampaio
País: Brasil
Duração: 30 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Três amigas de longa data que vivem no mesmo bairro de Higienópolis, em São Paulo, confidenciam problemas familiares, amorosos e cotidianos.

O QUE TENHO A DIZER...
Maria Antônia (Carla Pagani), entre preocupações triviais da vida, como decidir em qual restaurante almoçar, gasta seu salto andando de um lado para outro dentro de seu amplo apartamento em Higienópolis, um dos bairros mais tradicionais - e caros - de São Paulo. Seu apartamento é tão espaçoso e reflete tão bem sua posição socioeconômica que tem a possibilidade de ter três salas: uma dedicada ao estar, uma dedicada à TV, e um escritório.

Dinheiro ou tempo não é problema pra ela, que se arruma sem pressa para sair com seu marido que acabara de comprar um carro. Ela nem fica surpresa com a notícia do novo artigo de luxo porque já está tão acostumada com isso que acha a situação tão entediante quanto o marido sempre escolher a mesma cor.

Nervosa com um brinco de pérolas que não atarraxa e com o cheiro de cigarro que o marido deixou no apartamento ao fumar no escritório, ainda por cima não consegue encontrar seu celular que toca, enquanto Conrado solta uma frase machista sem sentido sobre "as mulheres e seus celulares", como se celular fosse uma moda, um artigo, ou um acessório unicamente feminino e de preocupação feminina tanto quanto um absorvente.

"Você está ouvindo ele tocar, Conrado?", pergunta ela duas vezes enquanto volta aos fundos, balançando as mãozinhas de um lado para outro, cabeça erguida, na mesma falta de pressa. Uma caricatura típica de madame cansada de perder as coisas em casa, ensaiadíssima na procura enquanto a câmera não tira o foco de seu cansativo ir e vir. Como Conrado não responde, provavelmente ele não ouviu nem o telefone, e nem ela perguntar. Não que ele não tenha ouvido, mas na vida real teria, e deliberadamente ignoraria. Primeiro porque o telefone que toca não seria problema seu, e segundo porque a pergunta de Maria Antônia não faz o menor sentido, já que não apenas ela ouvia o telefone tocar, como a gente também. Talvez o único momento realmente acertivo do roteiro ao reproduzir uma situação cotidiana de "como ignorar uma pessoa irritante fazendo uma pergunta irritante", me lembrando de Francisco Milani e de seu irritadiço personagem Saraiva.

Depois do hercúleo sacrifício, Antônia atende o telefone, e na linha estão Violeta (Alejandra Sampaio) e Lurdinha (Keila Taschini) conversando em conferência, algo que o roteiro resolveu colocá-las fazendo pela primeira vez justo no primeiro episódio, só para terem um diálogo pra lá de antiquado e completamente descontextualizado sobre "linhas cruzadas" e "extensão de telefone", uma coisa que no Brasil praticamente não existe mais há mais de 20 anos, e que elas, mesmo com seus celulares com mais de cinco polegadas de modernidade, sequer haviam se dado conta até então.

Por incrível que pareça, toda essa situação de abertura, que culmina com uma terrível ironia da vida com Conrado sofrendo um infarto dentro de seu carro novo, é incômoda. Incômoda porque é perceptível o amadorismo de tudo por todos os cantos. Dos diálogos mal interpretados, às situações forçadas e sem qualquer naturalidade, de um elenco mal escolhido que não evolui até sequer demonstrar qualquer química.

A direção de Carla Albuquerque e Beto Ribeiro (este, que também assina o roteiro), parece não saber que dirigir um projeto não é simplesmente carregar a câmera de um lado para o outro, e que tomadas longas (ou planos sequência) não significa maestria ou contemporaneidade quando feito sem coerência, como é o caso. É bonito, ousado e empolgante quando acontece, mas não funciona quando não se tem a menor noção do que se fazer com isso.

Ao mesmo tempo que as cenas evitam os cortes, a câmera concentra-se em planos fechados, limitando a liberdade e a naturalidade que essa técnica de filmagem permite e oferece, soando redundante. Veja em O Rebu (2014), por exemplo, em que José Luiz Villamarim usou os planos sequência com abundância no intuito de dar liberdade de movimento e atuação aos personagens, assim como já fez em séries anteriores que dirigiu, levando para a TV uma técnica de teatralização de cena que foi muito bem vinda. Mas aqui, a condução dessa técnica parece só ter o propósito de economizar nos custos da edição, porque no resto só evidenciou mais ainda a atuação ensaiada e devidamente marcada, ampliando os defeitos como uma lupa, como no episódio do noivado da filha de Lurdinha, em que a tecnica só serviu para reduzir mais ainda o tamanho do ambiente e causar uma sensacao claustrofóbica de gente acumulada em volta de uma camera (sem falar que o teor "Sai de Baixo" do episodio simplesmente é desastroso, e uma personagem como a da e.pregada é o típico excesso que qualquer roteiro deve evitar).

Nem mesmo durante os momentos no cemitério, no segundo episódio, em que o plano consegue ser sequenciado e mais aberto, a situação evita cair no constrangedor. Um momento que poderia ter rendido uma excelente situação tragicômica se torna um pesadelo ruim de doer com atrizes que apenas falam o que leem e nada mais. Nunca há emoção ou um comprometimento convincente com o papel. Toda fala é retilínea e uniforme, sem qualquer presença. Nem no teatro amador a coisa é tão terrivelmente séria assim, nem mesmo em Malhação os atores novatos conseguem ser tão inexpressivos, nem Ricardo Macchi parece mais ser tão ruim assim. E por mais qualidade de ponta que a produção possa ter usado, são detalhes como esses que passam a impressão de precariedade e amadorismo que não precisava.

Para ajudar tudo (botão da ironia apertado), há os momentos de flashback que mostram a adolescência das personagens no final dos anos 70 em um desenho de produção que nunca parece ser de época. Nem mesmo no cabelo ou na maquiagem houve, sequer, algum esforço. A única coisa que eu conseguia reparar era em um ou dois figurantes que passavam desmotivados em segundo plano, praticamente arrastando os pés, com calça e camisa colorida qualquer só pra dar um tonzinho de naturalidade cotidiana. Risos, risos... foi engraçado.

Mas voltando... Quando as três se juntam em um determinado momento, trocando respostas ao mesmo tempo que trocam de lugar sincronizadamente como em um jogral, parece que estamos assistindo Chiquititas, e que do nada a Mili vai pular em frente a câmera e cantarolar para todas remexerem bem com as mãos, com os pés e com a cabeça.

É tão desmotivante a imaturidade da direção/roteiro que causa até constrangimento, junto com uma leve labirintite.

E entre citações de autor desconhecido, e até de Miley Cirus (sim, acredite), é assim que todo episódio começa, sempre havendo o suficiente para aqueles que adoram se torturar e pagar suas penitências pelos pecados cometidos na vida.

Dizer que a ideia é boa não parece ser suficiente, porque nem consistência existe. As personagens não tem profundidade além de dinheiro. Violeta é a reservada e tradicionalista, Lurdinha é a moderna e liberal, e Antônia a meio termo. A velha fórmula dos dois extremos com um centro. Os conflitos são rasos, fúteis, esquecíveis, que se apoiam em diálogos de fofocas e acontecimentos duvidosos. Nada que justifique tantos episódios para tão pouco.

Depois temos uma história que, mais elitista e alienada seria impossível, mas talvez porque o texto baseado em estereótipos sempre é o caminho mais fácil pra quem tem inabilidade em criar camadas e arcos dramáticos. O problema nunca é um enredo ter como pano de fundo a classe média paulistana, carioca ou seja lá de onde for, mas na maneira como ela se desenvolve. Nem Higienópolis consegue ter o destaque, ou se transformar em um personagem vivo como Nova York se torna em Sex And The City, ou São Paulo como um todo em O Signo da Cidade (2007). Um desperdício de oportunidade, de cenário e de aproveitamento daquilo que a própria série tenta se promover em cima.

Começar o texto descrevendo o primeiro episódio, e os conflitos de viver la vida de madame loca de Maria Antônia e companhia, é carecidamente a essência de toda a série e das demais personagens, mostrando quão mal tudo começa, e como tão mal tudo continua. Sem falar que o etarismo é jogado no texto o tempo todo: a tecnologia que elas não compreendem, a prisão nostálgica que vivem, os discursos politicamente corretos e matriarcais, a confusão do que é sexualidade e gênero... e assim o título da série perde sua ambiguidade e torna-se literal. Perde seu interesse e se torna banal. Deixa de ser uma ironia, uma sátira, ou uma ode ao tabu da moderna independência feminina depois do casamento, da separação ou da viuvez para se tornar algo sem qualquer tempero. Artificial e mal colocado. Se fossem esquetes de vizinhas trocando receitas e fofocas pela janela, teria sido mais interessante.

É sempre louvável ver produções brasileiras ainda serem feitas, principalmente quando encabeçadas por produtoras independentes, como é o caso. Isso deveria ser mais difundido, e as leis de incentivo poderiam favorecer mais isso. Mas se tem uma coisa que o Brasil ainda precisa aprender com o cinema norteamericano é a maneira como as produtoras independentes conseguem peneirar o conteúdo que escolhem, principalmente no roteiro e na seleção de elenco, porque se ao menos a direção é ruim, o resto consegue se virar de algum jeito.

A série infelizmente não decola em nenhum momento, e o ranço amador é tão grande que apenas reforça o preconceito de que conteúdo nacional não tem qualidade. O que tem voltado com força na opinião pública nesse atual momento do mercado de produções nacionais se dedicarem demais a comédias de situação banais, sem qualquer espontaneidade ou perspicácia.

Mas pra não dizer que tudo seja ruim, a calorosa conversa lida entre Lurdinha (Keila Taschini) e Jean Carlos (Wagner Galvão), no terceiro episódio, além de ser dramática como uma novela mexicana, consegue ter uma reviravolta surpreendente... como uma novela mexicana. Um pastiche até apreciável se esse fosse o objetivo desde o início.

É nessas horas que percebemos como as décadas de monopólio e da influência da Rede Globo e da Globo Filmes prejudicou demais a criatividade e a livre autoria. A impressão que temos é que, mesmo tentando fugir de certos padrões, seja divagando sobre a vida feminina depois dos 50, ou da vida cosmopolita moderna, apostar em um elenco desconhecido em sua maioria, ou até abusar de técnicas cinematográficas pouco utilizadas por aqui, a cultura cinematográfica brasileira está tão condicionada a um padrão que, toda vez que existe uma tentativa de sair dela, o material desanda pela inabilidade de conseguirem caminhar com as próprias pernas, justamente por não existir tantas outras referências ou experiências frescas e relevantes o suficiente que favoreça o desenvolvimento de outros padrões sem a perda de qualidade.

É uma grande pena que o resultado final dessa produção seja algo frustrante, porque ser uma pequena produção não é sinônimo de péssima qualidade. Os melhores filmes que assisti ao longo de todos os meus anos são aqueles que tiveram os menores orçamentos, e na televisão eu também acredito que isso seja bastante possível. Mas uma pequena produção que não sabe do que falar, ou como falar, não faz qualquer sentido existir.

Carla Albuquerque e Beto Ribeiro podem até ser os cabeças da Medialand, produtora responsável pela série e empresa com um currículo considerável de produções televisivas, mas terem abraçado o projeto com as próprias mãos em praticamente todos os sentidos, definitivamente não foi uma boa escolha. E um produto que merecia uma melhor atenção, uma boa filtragem e uma excelente polida, acabou se tornando mais um pastelão malfeito tanto quanto os filmes B que Beto Ribeiro dirigiu para uma série de cinco telefilmes transmitida no Canal Brasil. A diferença é que esses telefilmes eram para ser assim, ao contrário de Velhas Amigas, que nem mesmo se fosse uma sátira (será que é mesmo?) precisava ser tão mal desenvolvida. E se o padrão continuar o mesmo, não vai ser de admirar que Gamebros, a próxima empreitada da dupla, tenha a mesma qualidade duvidosa.

Mas se você é do tipo que não se importa com qualidade e até gosta de produções com essa pegada "vamos juntar as vizinhas do condomínio e filmar uma série", então ela é pra você. E para aqueles que adoram ver humor e se divertem com defeitos, aí sim, Velhas Amigas será um prato cheio.

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