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quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

SÓ VALVERDE PRA SALVAR...

★★★★☆☆☆☆☆☆
Título: Amor.com
Ano: 2017
Gênero: Comédia, Romance
Classificação: 12 anos
Direção: Anita Barbosa
Elenco: Isis Valverde, Gil Coelho, Joaquim Lopez, Carol Pontes, João Cortês, César Cardadeiro, Alexandra Richter
País: Brasil
Duração: 90min.

SOBRE O QUE É O FILME?
As idas e vindas da relação de dois produtores de conteúdo: ela sobre moda e beleza, e ele sobre jogos eletrônicos.

O QUE TENHO A DIZER...
Amor.com é um comédia romântica bem fraca, uma daquelas com os direitos comprados pela Netflix para preencher a cota de produções nacionais exibidas no serviço, já que passou praticamente despercebida pelo cinema, por razões óbvias.

O filme de estréia da diretora Anita Barbosa parece uma daquelas produções da Globo Filmes que foram engavetadas porque o produto final conseguiu estar aquém daquilo de pior que a empresa já costuma produzir no gênero, e como parece de praxe ir pra mesa da Netflix tudo que um dia já esteve no lixo de algum lugar, não é à toa que essa produção terceirizada agora leva o carimbo do serviço.

Com predominância de atores "globais" e com aquela velha mania de enfiar participações especiais de gente que nada tem a ver com nada na idéia de que um nome famoso atraí mais público do que talento, o perfil de comédia de situações barata está lá o tempo todo. Desde a imagem lavada e do perfeccionismo amador dos cenários, até o elenco coadjuvante e de apoio bastante ensaiado, nada contribui para tirar a sensação de um produto feito especificamente para a televisão, uma característica que diminuiu bastante na última década. Com o avanço tecnológico e a exigência do público pela qualidade, cada vez mais aquele abismo existente com o cinema diminuiu, ao ponto da diferença entre um e outro ficar apenas em pormenores técnicos. Então, quando um filme como esse tem uma qualidade tão inferior ao ponto de explicitamente parecer um produto de televisão nos dias de hoje, é porque a produção é muito barata mesmo, em todos os sentidos, chegando ao quase desleixo.

A história é atual, e pega o momento em que a mídia encontrou um novo nicho de subcelebridades, aqueles os quais ela titula como "influenciadores digitais", um nome genérico para tirar de cada um deles a alcunha de "youtubers", mesmo sendo daí que eles tenham surgido em sua grande maioria. Vloggers, bloggers, podcasters... os tipos mais comuns deles. Hoje em dia tem sido muito frequente o número de casais que se formam a partir de canais digitais, assim como tem sido a tendência de muitos canais também introduzirem seus cônjuges em suas vídeo-postagens para explorar a imagem do casal perfeito e, assim, ampliarem sua área de contato com o público.

A idéia do filme parte daí, tendo como par romântico uma produtora de conteúdo que fala sobre moda e beleza, e um que fala sobre jogos eletrônicos, os dois maiores segmentos em constante crescimento nos canais digitais, grupos que tem movimentado milhões anualmente.

Katrina (Isis Valverde) é uma garota bonita, bem vestida, simpática, educada e que leva seu trabalho a sério porque abraçou a responsabilidade que sua influência tem em milhões de pessoas que a seguem. Comedida em absolutamente tudo e completamente preocupada com sua imagem, monitorando 24h as postagens e os comentários que fazem sobre ela, a personagem é até bem construída nesse aspecto, pois conseguimos entender de maneira bastante simples todas as razões que a motivam a se comportar da maneira como se comporta, muito além da aparência fútil e materialista que ela possa demonstrar por viver em um mundo tão supérfluo. Por outro lado temos Fernando (Gil Coelho), que é completamente o oposto de seu interesse romântico, e de igual forma, o personagem raramente sai de sua unidimensionalidade. O que Katrina tem demais, Fernando tem de menos, e por incrível que pareça, mesmo sendo muito mais formal, ela ainda tem menos preconceitos do que ele.

Ao mesmo tempo que os personagens tentam reproduzir o comportamento genérico de pessoas que fazem o mesmo que eles na vida real, eles também não deixam de ser sátiras por conta do exagero comportamental e do excesso da caricatura daquilo que cada um representa, porque o apelo cômico fácil tem que existir, como o padrão da comédia nacional exige. Tudo um condensado de situações banais, uma Zorra Total na vida de dois jovens influentes da geração digital.

O que faz o casal protagonista ser cativante é que os atores conseguem dar mais profundidade a eles do que o próprio roteiro, mesmo quando Gui Coelho exagera nos comportamentos e caretas. Na verdade, a impressão que se tem é que muito do que eles fazem dá mais certo por improvisos do que por um texto que sequer existe, sensação muito mais presente nas cenas de Isis Valverde, que tem como uma das mais brilhantes qualidades nunca parecer que leva um texto ao pé da letra, seja na televisão ou no cinema, o que sempre faz transparecer um nível de realidade e comprometimento muito maior da sua interpretação por conta de uma qualidade simples: carisma.

Valverde é, sem dúvida, um dos grandes talentos atuais. Para quem assistiu seus trabalhos em mini-séries como O Canto da Sereia e Amores Roubados, ou até em novelas como Avenida Brasil e A Força do Querer, sabe que a garota é versátil e consegue vagar entre o drama e a comédia de maneira quase brilhantes, trazendo uma humanidade tão cativante aos personagens ao ponto de parecerem verdadeiros, como no momento em que recebe a notícia de que uma provável foto nua esteja sendo compartilhada por aí. É uma situação que não teria a menor obrigação de exigir de qualquer ator uma interpretação digna de nota numa produção como essa, mas ela o faz mesmo assim, e entre olhos que naturalmente expressam o pânico em lágrimas que brotam de desespero, ela ainda consegue manter o ritmo cômico sem deixar a peteca cair. Cena simples como diversas outras, mas que funcionam unicamente por autonomia dela, já que até direção a gente percebe que o filme não tem por menos que alguém possa saber o que um diretor faz.

É ela quem consegue ofuscar todos os mais diversos defeitos do longa, e de uma personagem que parecia linear demais, da metade do filme em diante ela consegue transformar toda a porcaria em sua volta com muito charme e técnica. Aliás, nem digo técnica, pois nem a vejo interpretando em cima disso, mas com naturalidade nata, ao ponto de até mesmo o previsível monólogo final não parecer artificial como uma moral pronta, mas um relato doído, magoado por um mundo de aparências e malícias que não sabe mais diferenciar a ficção do fato, ou o virtual do real. 

Em alguns momentos existe a tentativa de discutir de maneira até interessante alguns aspectos relacionados aos grandes problemas que a era digital trouxe consigo, como a perda da privacidade, a ultra-exposição e a vulnerabilidade das pessoas através das dificuldades que o casal passa a enfrentar conforme a relação progride, ao ponto do estopim parecer até banal, que será uma foto absolutamente inocente publicada numa rede social, mas que reflete de maneira bastante sucinta como a sociedade se tornou banal de igual forma.

A idéia não é de toda ruim, mas sua execução foi simples demais para algo simples demais, um susto quando descobrimos que o roteiro foi escrito por três pessoas. Por isso a tal sensação de desleixo, de algo planejado às pressas, como um condensado de um folhetim que nunca vingou, se ancorando em um público imediatista, que já perdeu há tempos a noção de qualidade daquilo que assiste justamente por estar agora mergulhado apenas naquilo que o YouTube pode oferecer. Um filme muito mais interessado em mostrar as dezenas de vloggers que fazem pequenas pontas na história do que em contar tudo de maneira mais fluida e comprometida. Talvez se tivesse sido desenvolvida em um outro formato, como uma mini-série ou uma série limitada, essa sensação de um mero pão-de-ló não fosse tão presente, e aí sim essa estrutura narrativa de situações e causalidades faria mais sentido, e Valverde daria conta da mesma forma como conseguiu não fazer deste filme um total desastre.

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