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segunda-feira, 3 de julho de 2017

ABRA SEUS OLHOS, NETFLIX!

Era esperado que a hegemonia da Netflix algum dia chegasse ao fim. A empresa, responsável por popularizar o novo segmento streaming como um abre alas da independência daqueles insatisfeitos com os canais a cabo nos últimos anos, além de oferecer maior liberdade de escolha à sua audiência por um preço baixo e justo, chegou a ser ponto de polêmicas e alvo de ataque da indústria do entretenimento e também debate nas escalas políticas, como aconteceu no Brasil, sobre a taxação tributária específica de um serviço não legislado por não ter categoria específica, e assim haver aumento do preço do serviço para restringir consumidores. Até mesmo as empresas de telefonia resolveram voltar a restringir o uso de dados, cuja uma das principais alegações foi o grande tráfego - e consequente congestionamento - que o excesso de streaming causava, impactando na qualidade do serviço móvel.

E no fundo, o que se viu foi diferentes setores que se beneficiam entre si se unirem para tentar reduzir o impacto da democrática escolha que o serviço causou. Em resumo, ao invés desses setores resolverem concorrer de maneira honesta, melhorando seus conteúdos e serviços, preferiram encontrar a via mais fácil da sabotagem para permanecerem nas suas zonas confortáveis. 

Não há como negar que o serviço conseguiu pisar em calos alheios, mesmo que essa nunca tenha sido a real intenção. Mas sempre que algo bom surge em qualquer área que seja, os incomodados se armam até os dentes para guerrear pela manutenção do seu espaço e domínio.

Polêmicas à parte, pelo menos no Brasil, o serviço ainda se mantém da mesma forma como veio. Os humores exaltados se normalizaram e felizmente as coisas ainda correm bem.

A história da Netflix começou de maneira modesta em 1997, como uma empresa desenvolvedora de conteúdo digital, ganhando popularidade a partir do momento que começou a oferecer vídeos por demanda, em 2007, serviço que atualmente conhecemos e consumimos. Com o passar dos anos, o número de assinantes pelo mundo só veio a crescer, gerando lucro suficiente para, em 2013, começar a produzir seu próprio conteúdo, ou pagar para que o conteúdo seja exclusivo e leve seu carimbo.

Só que, da mesma forma que novidades incomodam alguns, também abrem novas oportunidades no mercado para outros, e o que se vê é um crescente número de concorrentes, como a Amazon, a HBO Go, Crackle (recentemente comprado pela Fox para esse fim), dentre outros. E junto a tudo isso, a Netflix agora tem que também evitar de se tornar ameaça dela mesma.

Nos últimos quatro anos, houve um crescimento absurdo de novas produções. Longas metragens aclamados, e outros nem tanto; seriados que apostavam em conteúdos diversos, mas nem sempre tão bons. Uma enxurrada de produtos que deixaram no ar se ela seria capaz de mantê-los conforme outros lançamentos chegassem e integrassem a vasta videoteca que só crescia, mas que nunca soube ao certo para que rumo ir.

A ousadia sempre fez parte da proposta do serviço, o que é admirável. O que não é tão admirável assim é a sensação de que a direção de conteúdo apenas "rapeava" aquilo que outras produtoras e estúdios pretendiam jogar no lixo, dando aval a produções pensando mais no incremento de conteúdo do que pela qualidade, atirando para todos os lados na pressa de ter produtos originais e aos poucos trocar os produtos da prateleira virtual.

É desnecessário citar seriados e filmes que deram certo ou não. Cada um de seus assinantes consegue ter uma noção, mesmo que bastante superficial, daqueles que funcionam e daqueles que não fazem qualquer diferença, como acontece, como exemplo, na maioria do conteúdo de comédia, que muitas vezes sequer arranca um sorriso genuíno do espectador.

Em um relatório recentemente divulgado pela 7Park Data, observa-se que, dentre os 10 conteúdos mais assistidos entre 2016/17, apenas Orange Is The New Black e Stranger Things levam a marca Netflix, respectivamente em 6º e 10º lugar. Isso veio à tona como uma bomba. Afinal, de que vale gastar dinheiro com conteúdo original se as pessoas não tem interesse por ele? É a pergunta que surge após a entrevista concedida pelo Diretor Executivo, Reed Hastings, à CNBC, canal por assinatura sobre finanças e negócios.

A solução que a empresa agora encontrou foi de fazer aquilo que os canais de televisão mais fazem: cancelar suas produções sem qualquer aviso, o que impacta diretamente na produção de séries. Isso prejudica o conteúdo, que é interrompido sem conclusão, o que historicamente desagrada e revolta a audiência, que aos poucos tende a perder a confiança. E independente de ser um conteúdo recente ou já consagrado na casa, qualquer um deles se tornou alvo, gerando muita apreensão por parte dos assinantes.

É o que aconteceu recentemente com o inesperado cancelamento de Sense8, série bastante popular no Brasil, cujo fim foi anunciado logo após o lançamento de sua segunda temporada, a qual não possui um final conclusivo. A revolta de fãs e assinantes chegou no escritório de conteúdo, que resolveu dar um passo atrás e anunciar, na última semana de Julho, que a produção de um especial de duas horas foi encomendada para encerrar a trama como se deve.

Sense8 foi apenas um dos escolhidos de Ted Sarandos, Diretor de Conteúdo, a cancelamento pelo seu alto custo. Marco Polo é outra, e The Get Down também não chegará a ver a luz de uma segunda temporada pelas mesmas razões. A baixa repercussão de Girlboss também levou ao seu precoce cancelamento, e o cancelamento de Hemlock Grove não foi uma grande surpresa, mas gerou certo buzz entre a base de fãs. E como dito, todos os outros títulos já estão na berlinda, salvo algumas excessões consagradas, ou que são interessantes serem mantidas para o marketing positivo da marca ao levantar disscussões de relevâncias sociopolíticas, com no caso de House Of Cards, ou o recente Dear White People.

O inchaço de produções foi o grande problema, principalmente com o excesso de stand-up comedies, formato muito mais popular nos Estados Unidos do que em outros países. A ousadia se sobrepôs ao planejamento de longa data, a atenção a excessos com megaproduções para chamar a atenção (como o caso de Sense8 ou Marco Polo) se sobrepuseram ao planejamento financeiro. E agora a Netflix passa por uma reformulação forçada.

A atenção a isso agora é primordial, ao mesmo tempo que o cuidado nas decisões e um maior foco ao planejamento se tornaram quesitos fundamentais à sua sobrevivência. E a empresa irá sambar na corda bamba, pois deverá encontrar alternativas para manter o interesse de seus assinantes mesmo com conteúdos indo embora, e novos outros serviços de streaming aparecendo com conteúdos até mais interessantes.

Inchar o carrossel do aplicativo com produções baratas e de qualidade duvidosa apenas para levar o selo de LANÇAMENTO ou NOVOS EPISÓDIOS não segura ninguém. Ela deveria ter se atentado a isso desde o princípio. O mérito da existência da Netflix é poder ousar, mas isso não significa fechar os olhos para a qualidade. A direção de conteúdo de Sarandos não parece ser uma das melhores, já que poderia ser mais peneirada, evitando produções como o horroroso The Farm, ou até mesmo na insistência em parcerias milhonárias como a de Adam Sandler, que trazem pouco retorno. De igual medida, apenas investir na hospedagem de produções não inéditas também não atrai mais pessoas da mesma forma como atraiu no começo do serviço em demanda, quando era novidade ter temporadas disponíveis para usuários fazerem suas maratonas sem terem que esperar a boa vontade dos canais abertos.

A Netflix não precisa ter o mesmo punho de ferro comercial e industrial de estúdios. Ela deve continuar sendo ousada na escolha de seus produtos, pois esse sempre foi seu diferencial. Mas deve ter uma equipe de análise de conteúdo mais competente, onde seja avaliado a qualidade de sinopses e roteiros antes de serem aprovados. E mesmo em produções tercerizadas, o acompanhamento deveria ser mais rígido para o controle de qualidade. E principalmente, na dúvida de não saberem se um novo lançamento chegará a ter uma nova temporada ou não, exigir que os últimos capítulos tenham mais conclusões do que pontas soltas para não desagradar a audiência e perder a sua confiança. E para as produções já existentes, o planejamento a longo prazo deve ser primoridal, como aconteceu com Orphan Black, cujo fim foi anunciado com bastante antecedência, dando tempo para a construção de sua conclusão para a quinta temporada.

Qual seriado deve ser mantido mesmo que não gere muito lucro? Qual conteúdo deve ter oportunidade para os próximos dois anos? Qual produção deve ser cancelada para a próxima temporada sem afetar o público? Há necessidade de determinado conteúdo ter mais do que um número X de episódios? Qual a relevância de um longa metragem, independente de seu gênero?

Planejamento, Netflix! Puro planejamento e respeito a seus assinantes.

Agora basta esperar para saber se o serviço terá a vida longa que tão de início parecia ter, mas que agora se tornou algo de futuro nebuloso.

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