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segunda-feira, 13 de julho de 2015

ATERRORIZANTE COMO SE DEVE...

★★★★★★★★
Título: Corrente do Mal (It Follows)
Ano: 2014
Gênero: Terror, Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: David Robert Mitchell
Elenco: Maika Monroe, Keir Gilchrist, Daniel Zovatto, Olivia Luccardi, Lili Sepe
País: Estados Unidos
Duração: 100 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um encontro inocente entre dois jovens faz uma garota ser aterrorizada por algo que envolverá seus amigos em uma situação em cadeia inexplicável.

O QUE TENHO A DIZER...
A câmera gira levemente para mostrar uma casa de onde sai correndo uma garota. Annie está aflita, indo para o meio da rua enquanto sua vizinha pergunta se está tudo bem. Fugindo de algo que não sabemos, ela retorna para sua casa, completando um trajeto circular. Ela entra. Alguns segundos se passam e Annie novamente sai com a chave do carro nas mãos. A câmera, que a acompanhou em um pivô de 360° durante toda essa situação, continua lá, observando tudo do mesmo ponto até o carro partir.

Nessa continua apresentação, a excelente forma narrativa usada pelo diretor e roteirista David Robert Mitchell cria toda a atmosfera aterrorizante de um perigo que não se vê, mas sabemos que está presente. O cuidado visual nos detalhes de mostrar ao espectador toda a cena de forma simétrica e panorâmica é a alma de todo o filme. Mitchell não usa o foco para direcionar nossa atenção de forma didática, pelo contrário, ele explora a visão periférica com sutileza e profundidade. Tudo é conduzido de forma lenta, abusando de planos sequência para que o espectador tenha tempo de observar com cautela não apenas as ações dos personagens, mas todas as composições do cenário onde estão, até porque a história nos obrigará a isso.

Não há maneiras de explicar o enredo do filme sem deixá-lo simples demais ao ponto de soar desinteressante. A história é, de fato, muito simples, mas a idéia aqui é explorar os sentidos em um gênero que há muito tempo se esqueceu do que é isso, e não criar uma história mirabolante sobre algo sobrenatural. Segundo o diretor, a idéia de tudo partiu de um sonho recorrente que ele tinha quando criança, os conhecidos "pesadelos de ansiedade". E da mesma forma como os sonhos não possuem explicações, a história do filme também não, e por isso foi construída dessa forma. Tanto que, mesmo com uma atmosfera obscura e sobrenatural, a fotografia é, por vezes, bela e surrealista como um pesadelo deve ser.

Há muitas similaridades com qualquer história de terror japonesa vista em um passado recente, como O Grito ou O Chamado, em que uma maldição existe e cria uma cadeia de vítimas. Não há grandes diferenças nesse sentido, além da conotação sexual que nos faz relacionar a maldição como uma doença transmissível, como algumas críticas chegaram a associar.

Para construir o medo, Mitchell consegue fazer uma mistura muito bem homogênea dos elementos mais clássicos do gênero com os mais modernos, mas ainda sim quebrando alguns paradigmas como ao evitar ambientes muito escuros, ou o excesso de sangue. A prioridade é na narrativa lenta e linear, não na história, mas na forma como ele apresenta as situações e desenvolve seus personagens para construir a surpresa, a apreensão e a tensão que leva finalmente ao medo, exatamente nessa progressão. Tudo isso ao invés de simplesmente apostar no susto fácil jogado sem propósito nos filmes mais comerciais, ou em efeitos especiais digitais que nunca irão substituir a técnica.

Seja através do uso de imagens bem construídas ou da arrepiante trilha sonora de Rich Vreeland, tudo isso funciona porque o roteiro apresenta logo de cara a ameaça sobrenatural na qual os personagens, e nós mesmos, estaremos expostos, criando uma situação de medo e dúvida constantes em que nada ou lugar algum parecem ser seguros o bastante. Como dito, sabemos o que o perigo é, mas não quem é ou que ele pode fazer. E é isso que atemoriza. Mitchell utiliza a câmera como um verdadeiro objeto de exploração, de forma que o espectador ora tomará a posição de observador (e ter a sensação de paranóia), ora de observado (e ter a sensação de medo). E nesse jogo interessante de pontos de vistas é que esses diferentes níveis e intensidades do que é medo e do que é paranóia serão construídos. E acredite, há muito dos dois.

Os atores também desempenham um papel excelente, principalmente a protagonista, e o filme não teria esse tom até genuíno se não fosse por eles. Ao contrário do que muitos outros títulos fazem, aqui os personagens não perdem tempo com heroismo ou idéias cabulosas. Eles agem com naturalidade e são racionais nas decisões na medida do possível, como deve ser.

Não dá para negar que, embora a história por vezes não pareça ter pé ou cabeça, este seja, talvez, o primeiro filme em anos a elevar o nível do gênero, engatilhando com efetividade crises de ansiedade e extrema apreensão do começo ao fim. Assistí-lo é como ter aquela sensação de ser observado na multidão, ou daquele arrepio na espinha de alguém que se aproxima por trás sem avisar de uma forma bastante similar ou até mais intensa do que Shyamalan conseguiu com O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999).

O medo é uma reação psicológica que leva o ser humano ao seu limite para enfrentar o perigo, descarregando a adrenalina que dilata nossas pupilas, resseca nossa boca, aumenta a frequência cardíaca e nossa atenção, nos preparando para a fuga e sobrevivência, e Mitchell consegue dirigir não apenas o filme, mas todas essa atividade biológicas como se nós fossemos parte da história, ao ponto de chegarmos até a acreditar que ela possa existir ou acontecer de fato. É o psicológico novamente, e o poder do uso da técnica que nos confunde a fantasia com realidade.

Com um baixíssimo orçamento de apenas US$2 milhões, chamou atenção no festival de Cannes de 2014, e arrecadou mundialmente mais de US$14 milhões. Valor baixo, mas satisfatório para algo independente que foi lançado em um número limitado de salas. Uma pena que ele não se viralizou como poderia, pois todos os elementos de um grande filme de terror e suspense estão presentes na melhor forma e estilo possível.

É garantido que ninguém olhe para estranhos com os mesmos olhos depois de assistí-lo, e só isso já faz do filme algo memorável do gênero como qualquer outro clássico já fez no passado.

CONCLUSÃO...
Um daqueles poucos filmes em que a história pouco importa quando todo o terror é construído de forma inteligente ao ponto do medo ser genuíno.

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