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domingo, 15 de dezembro de 2013

LOLA VERSUS... FRANCES!

★★★★★★★
Título: Frances Ha
Ano: 2012
Gênero: Comédia, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Noah Baumbach
Elenco: Greta Gerwig, Mickey Sumner, Michael Zegen, Charlotte d'Amboise
País: Estados Unidos
Duração: 86 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Frances é uma aspirante a dançarina que não tem talento, que mora em Nova York mas na verdade não possui um apartamento, e que segue numa trajetória de crescimento pessoal sem deixar para trás seus sonhos e vontades.

O QUE TENHO A DIZER...
Frances Ha é dirigido por Noah Baumach, o qual também escreveu o roteiro em parceria com a própria atriz principal, Greta Gerwig.

Greta ainda é uma atriz desconhecida, mas que vem chamando muita atenção do circuito independente nos últimos anos justamente por, assim como outra atriz de sua geração, Brit Marling, não ser somente uma atriz, mas também produtora, roteirista e até já ter investido na direção.

Conta a história de Frances, uma mulher apaixonada por dança (mas que não sabe dançar), de 27 anos, e que mora em um apartamento em Nova York com sua melhor amiga de infância, Sophie. Como unha e carne, as duas são inseparáveis, tanto que Sophie se considera a versão morena de Frances, e é dessa forma que Frances fala de sua amiga aos outros. Para os demais, as duas são um casal lésbico que não faz sexo, e para elas esse rótulo pouco importa, porque elas se amam como irmãs e dormem juntas na mesma cama como um casal enquanto discutem sobre outros homens e seus fracassos amorosos. Um dia Sophie surpreende Frances ao dar a notícia que irá se mudar para outro apartamento para morar com outra garota. Essa notícia balança toda a base e estrutura confortável da vida da personagem, e a partir daí tudo desaba aos poucos, pedaço por pedaço.

Para quem assistiu seu filme anterior, Lola Versus (2012), definitivamente vai encontrar algumas situações similares neste novo filme. De alguma forma eles até se completam, e Frances Ha parece até fazer algumas referências ao anterior, podendo ser visto indiretamente como uma continuação, ou até mesmo como a outra face da percepção de como lidar com frustrações comuns da vida e do cotidiano humano. Enquanto Lola Versus foi um drama cômico sobre uma personagem que humanamente sofre em retomar sua vida após o término de uma longa relação semanas antes do seu casamento, Frances Ha é uma comédia dramática que não apenas lida com relações, mas com diversas outras situações habituais comum a todos e que essencialmente se difere de Lola por conta da força de vontade da personagem em superar as duras mudanças de uma vida que ela considerava simples e perfeita, mas que agora virou apenas um sonho no qual ela está determinada a reconquistar, custe o que custar.

Lola Versus não foi muito bem interpretado pelo público e pela crítica, talvez por conta da veracidade até brutal que o filme tenta mostrar de forma cômica sobre as dores, frustrações e conflitos passados pela personagem até atingir a natural superação sobre uma situação e um capítulo amoroso específico em sua vida, o que é realista para quem já passou pelo mesmo que ela, mas que soa absurdo ou exagerado para quem ainda não o vivenciou. Mas com uma narrativa similar, Frances Ha foi melhor aceito e compreendido por abranger situações que definem uma fase de transição complicada da juventude irreponsável para a total juventude independente, além da determinação da personagem em encarar essas situações trágicas como obstáculos a serem superados, ao invés de sofrer tudo passivamente como aconteceu com a personagem do filme anterior. Ela é graduada, inteligente, legal, engraçada, amistosa, vem de uma família de classe média e possui apenas pessoas interessantes a sua volta. Ou seja, ela poderia ser e fazer o que quisesse, mas viver em um apartamento qualquer, ter uma vida simples e trabalhar em um subemprego de dançarina substituta são as escolhas que ela fez e pretente se manter, mesmo que ela quebre a cara com isso.

O filme é unicamente sobre Frances e, por isso, não há uma cena sequer em que ela não esteja presente, mostrando sua vida de forma intimista e nostálgica, e a identificação com certos momentos chega a ser forte e carismática o suficiente para não ser vista com estranheza pelo espectador, tanto que o filme foi intencionalmente feito em preto e branco porque o diretor queria limitar o foco e a atmosfera apenas na personagem e em sua trajetória, e não ser saudosista a uma época, até porque a contemporaneidade do filme não se encaixaria nisso.

A história pode ser linear, mas o roteiro realmente se bagunça em dar atenção mais para alguns momentos do que para outros, mas definitivamente isso não atrapalha a intenção e a idéia principal do filme - e sua moral - da busca da personagem pela independência, superação e determinação da conquista de sonhos, importantes para a maturação das idéias e do caráter, o que é muito bem mostrado.

O mérito disso é inteiramente tanto de Greta Gerwig quanto dos diálogos, em uma atuação apaixonante e sincera nas variações emocionais - às vezes sutis, às vezes exageradas - que em nenhum momento fogem da perspectiva e da personalidade despretenciosa, desordenada e impulsiva da personagem. Os diálogos não podiam ser mais inteligentes, variando entre o cinismo e a ignorância proposital, a ingenuidade e o excesso de malícia. Os momentos íntimos e sinceros do filme se tornam realmente íntimos e sinceros porque todo mundo já fez o que Frances fez, e se não fez, irá fazer. Só que a grande graça de todo filme é que, embora Frances tenha idéias inconsequentes, atitudes impensáveis e seja por algumas vezes inconveniente, ela mesmo assim continua sendo legal, e ao invés de sentirmos pena, nós torcemos por ela.

Frances começa o filme com sonhos e atitudes típicas do deslumbre da primeira experiência dessa juventude independente e da falta de necessidade de obrigações e satisfações, até mesmo se auto-referindo como alguém "inamorável" justamente por não querer se apegar a nada além de sua própria vida e experiências. Depois entra para os conflitos e o choque com a realidade: a constante falta de dinheiro; a dúvida profissional; a ironia da descoberta da falta do talento para o que mais ama; as atitudes inconsequentes; a dificuldade de readaptação social, de encontrar e se encaixar em diferentes grupos que mudaram no decorrer do aumento de experiências e responsabilidades. Ela chega até a ter atitudes inconvenientes por conta da imaturidade, ou na tentativa de demonstrar ser algo que não é para ser aceita numa sociedade que ela descobre prezar pela imagem e status, como no jantar em que participa, disparando diálogos constrangedores a todo tempo ao tentar ser o que não é, só cativando a atenção de todos quando, já bêbada e desarmada da falsa imagem, faz uma observação inusitada e até poética sobre a vida e as relações.

Ela atinge a maturidade e a fase adulta quando finalmente decide deixar o passado para trás, descobrindo aos tropeços que a vida é uma onda de constantes mudança adaptáveis, e que para isso ela não precisa deixar de ser o que é em essência, apenas manter o pensamento positivo. O ápice desse desenvolvimento confuso, porém fluido da personagem, é visto de forma breve e muito marcante nos últimos minutos do filme, na sua postura de mulher adulta, e até mesmo na forma como ela novamente se considera "inamorável", mas que agora carrega uma outra carga de responsabilidade na afirmação e que se resume no espetáculo final, ou quando Colleen, a dona da companhia de dança - e a grande responsável por abrir os olhos da personagem à realidade - diz que a apresentação foi interessante por representar o que Frances realmente é.

A leveza com que o filme trata essa positiva inércia vivida por Frances faz com que ele não apenas tenha diálogos memoráveis como várias cenas igualmente inesquecíveis, como no momento em que ela corre dançando pelas ruas de Manhattan. São cenas deliciosas como essa, além da trilha sonora 70/80tista que nos remetem aos filmes daquela época, que assistíamos e reassistíamos justamente para absorver as cenas marcantes e decorar os diálogos interessantes, o que nesse filme tem de monte.

CONCLUSÃO...
Greta novamente faz um trabalho doce, despretencioso, delicado, sutil e realista. A atriz conquistou sua primeira indicação ao Globo de Ouro no gênero Comédia/Musical pelo filme, e com certeza sua grande estréia em uma carreira que promete ser grandiosa no futuro. É um filme com as mesmas pretensões de seu filme anterior, Lola Versus, porém mais abrangente e, por isso, melhor assimilado e com maior vínculo de identificação.

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