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sábado, 31 de agosto de 2013

O INTELIGENTE E SARCÁSTICO BESTEIROL...

★★★★★★★★★☆
Título: Romy & Michele (Romy & Michele's High School Reunion)
Ano: 1997
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: David Mirkin
Elenco: Mira Sorvino, Lisa Kudrow, Janeane Garofallo, Alan Cumming, Julia Campbell, Elaine Hendrix
País: Estados Unidos
Duração: 92 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Duas amigas descobrem que haverá um reencontro de 10 anos do grupo de colégio, o qual não foram convidadas. Intencionadas a aparecerem no encontro para surpreender e mostrar a todos como suas vidas estão muito melhores e interessantes que a de todos aqueles que um dia zombaram delas no colégio, jogam si mesmas em uma cilada ao inventarem uma inofensiva mentira.

O QUE TENHO A DIZER...
Romy & Michele foi o primeiro longa metragem dirigido por David Mirkin, que posteriormente realizou apenas mais um longa, o fraquíssimo e esquecível Doce Trapaça (Heartbreakers, 2001) e nunca mais ousou ir por trás das câmeras como diretor outra vez. Isso não significa que o filme é mau dirigido, o diretor apenas não teve muita sorte.

O mesmo a ser dito sobre o roteiro, que é assinado por Robin Schiff, que por sinal é baseado em sua própria peça teatral chamada Ladies Room, de aproximadamente 1988, e que foi uma febre em Nova York por 5 anos. Para o filme, Robin manteve as personagens criadas na peça, além da enxurrada de diálogos banais. A roteirista chegou a afirmar que a idéia da peça surgiu em uma sala de espera quando de repente se viu prestando atenção naquilo considerado a quintessência da futilidade e da falta de solidez em um diálogo entre duas mulheres tipicamente californianas. Segundo Robin, a conversa era tão ínfima que acabou se tornando uma das coisas mais divertidas e ao mesmo tempo bizarras que ela já ouviu, não somente pela absoluta e total falta de conteúdo, mas principalmente por terem ficado 10 minutos apenas elogiado os cabelos uma da outra e coisas do tipo.

Outra coisa interessante é que Lisa Kudrow já interpretava o papel de Michele Weinberger na peça teatral muito antes de ficar famosa no seriado Friends. Segundo a roteirista, Lisa foi responsável por dar uma personalidade tão realista e hilária à personagem que era impossível imaginar outra atriz em seu lugar.

Curiosamente o filme fez um razoável sucesso quando foi lançado, arrecadando um pouco mais de US$ 30 milhões apenas nos EUA, onde permaneceu em cartaz por poucas semanas. Foi lançado nos cinemas apenas por lá, nos demais países o filme foi lançado diretamente em home vídeo e aos poucos se tornou um cult de momento que foi esquecido com o tempo e ganhando pó nas prateleiras.

A história do filme é bem simples, mas um tanto diferente da peça teatral, já que a roteirista quis dar profundidade às personagens e oferecer situações em que elas pudessem ter maiores liberdades cômicas e variações dramáticas numa mistura entre o lúdico e o absurdo. Romy White (Mira Sorvino) e Michele Weinberger (Lisa Kudrow) são duas amigas inseparáveis, que moram juntas e se conhecem desde a época de escola. Um belo dia são pegas de surpresa ao descobrirem que haverá uma reunião de 10 anos do seu grupo de colégio, ao qual não foram convidadas. As duas orquestram uma aparição surpresa para esnobarem seus ex-colegas que um dia as esnobaram. Mas enquanto analisam os motivos por não terem sido convidadas, finalmente percebem que suas vidas não são tão interessantes quanto imaginavam. Com isso em mente, para passarem a imagem de que hoje são grandes mulheres de negócio, arquitetam uma mentira pra lá de furada e absurda de que ambas inventaram os Post-Its (os papéis amarelos autoadesivos de anotação).

É uma pena que Romy & Michele seja um filme injustiçado e pouco lembrado, pois abocanhou um público do qual poucos entenderam o tom da comédia desenvolvida, colocando esse título no ostracismo total e praticamente em extinção das prateleiras e dos canais. A princípio as pessoas que o assistem prestam atenção aos chamativos clichés, ou assistem no desinteresse preconceituoso de acreditar ser mais uma história sobre conflitos adolescentes comuns ou do arquétipo das louras burras (deixando claro que as personagens são oxigenadas, o que rende uma excelente frase de Lisa Kudrow sobre isso em uma das sequencias). Só quando o filme está perto do fim é que o espectador tem um insight e nota que os clichés utilizados foram apenas ferramentas utilizadas contra os próprios clichés, pois há sempre um elemento ou outro que os distorcem ou quebram sua construção habitual. Assim como a série Pânico (Scream, 1996/1997/2000/2011), de Wes Craven, tirou sarro dos clichés dos filmes de horror adolescente, Romy & Michele tira sarro dos clichés de comédias adolescentes e pastiches, e isso é nítido quando todos os personagens, cada um em seu momento, zombam de suas próprias situações.

O grande atrativo do filme é toda a química homogênea e a fluidez que raramente se concretiza em filmes desse gênero. Além da parceria excepcional e convincente das atrizes (e de todo o elenco), há uma trilha sonora com grandes referências aos ícones oitentistas que é utilizada em total sincronia com o roteiro. Além de serem grandes personagens ocultos e até responsáveis por dar cronologia e profundidade, os versos falam exatamente do momento vivido e/ou tentam complementar o que não foi dito propriamente, como a dar uma moral para suas respectivas cenas. O figurino também tem seu valor não apenas no registro da cultura e da moda dos anos 80/90, mas ao transpor a essência de cada uma das personagens. Enquanto Michele, que é mais passível, utiliza cores mais lúdicas e despretenciosas, Romy, mais dominadora e determinada, utiliza cores mais quentes e fortes, e ambas são o exemplo do exagero californiano e da bagunça cultural e turística dessa região. Soma-se a isso os diálogos que entram em um paradoxo de futilidade em situações inteligentes, resultando em cenas substanciais por conta do brilhante desempenho das atrizes, sem situações forjadas ou marcações. É fácil fazer um filme com diálogos fúteis e que abusem de absurdos sem causar impacto, deixando aquele vácuo inexpressivo, mas é difícil realizar o contrário e ainda manter o tom do humor sem esboçar o tédio, como acontece nesse filme.

Não há dúvidas de que as personagens são cativantes, pois a ingenuidade transmitida nada mais é do que uma ridicularização exagerada da nossa própria ignorância, além do grande paradoxo de ambas serem e fazerem exatamente aquilo que elas dizem não gostar nas outras pessoas. Elas fazem isso pois é exatamente esta a tendência da maioria daqueles que já se sentiram excluídos ou ultrajados por algum determinado grupo ou situação, acreditando que aquela minoria mais dominante seja exemplo a ser seguido, ou suas ações devem ser exemplos a serem reproduzidos. Enquanto Romy e Michele podem parecer bastante ignorantes sobre a vida, a história delas é contada por um ponto de observação bastante realista e detalhado que se torna crível e hilário justamente pela despretensão exagerada de ambas. Hilário quando observado de longe no escopo sarcástico, mas triste e uma engolida seca quando visto de perto, principalmente por aqueles que se identificam com a trajetória da dupla ou de qualquer um dos demais personagens.

CONCLUSÃO...
Romy & Michele, embora tenha essa aparência pastiche, possui um humor raro e inteligente e de indiretamente atingir e constranger todos, mas sem ferir e sem deixar o hilário ser ofuscado. Filme para ser visto, revisto e apreciado de forma diferente a cada nova vez.

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