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terça-feira, 19 de junho de 2012

AGORA PODE CASAR...

★★★★★★★★
Título: Estômago
Ano: 2007
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Marcos Jorge
Elenco: João Miguel, Fabiula Nascimento, Babu Santana, Carlo Briani, Zeca Cenovicz
País: Brasil, Itália
Duração: 113 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre um cearense que muda para a cidade grande sem dinheiro e comida, e passa a trabalhar como cozinheiro de um boteco em troca de comida e moradia. Com o tempo seus salgados fazem sucesso, ele recebe uma proposta melhor de emprego e passa a trabalhar em um restaurante mais familiar, aprendendo os truques e receitas da boa culinária. E com a comida ele conquista as pessoas e domina o espaço onde está, aprendendo, inclusive, a se aproveitar das pessoas que se aproveitam dele.

O QUE TENHO A DIZER...
Estômago é o filme de estréia de Marcos Jorge, com roteiro assinado por ele, Fabrízio Donvito, Cládia Natividade e Lusa Silvestre, todos estreantes, em uma co-produção Brasil/Itália. O filme foi bastante elogiado em 2007 quando recebeu quatro prêmios no Festival Internacional de Cinema do Rio (Melhor Filme, Ator, Diretor e prêmio especial ao ator coadjuvante Babú Santana) e também foi indicado a outros prêmios nacionais e internacionais.

Este filme é um dos exemplos de que, ao contrário da maioria dos filmes norte-americanos, os diretores e roteiristas estreantes e brasileiros sabem muito mais o que fazer e onde explorar, sendo seus filmes de estréia muitas vezes até melhores que os seguintes. Assisti este filme por acaso na TV, e assim como muitos comentários que li sobre ele depois, também achei que seria mais um filme comum que fosse falar de migração, sexo e a dificuldade de comunicação entre uma língua regional e outra. Mas me enganei profundamente. É um excelente drama com momentos de humor negro. Outros momentos não chegam a ser de suspense, mas existe algo que deixa a linha de narrativa tensa por algumas informações aleatórias jogadas durante o decorrer da história, mas que vão fazendo sentido conforme a trama se desenvolve.

O título do filme não é à toa, porque ele literalmente mexe com esse órgão que, ao mesmo tempo que nos satisfaz, também pode nos dar as piores sensações, é por ele que nós também conquistamos, mas pode ser por ele que também criamos antipatia. Essa contradição é jogada de forma brilhante na tela o tempo todo, seja por imagens belas em situações porcas ou imagens nauseantes em situações belas, graças à direção precisa de Marcos Jorge, cenas que ao mesmo tempo que te dão água na boca, logo em seguida dão vontade de cuspir. Como um Romeu & Julieta, mas tira-se o Queijo-Minas e coloca-se o Gorgonzola, como é dito no próprio filme.

Brincar com essas sensações e com o antagônico é algo que virou muito característico do cinema nacional, que foi importado do Francês, mas que tem dado excelentes resultados. Existem várias momentos brilhantes assim, mas uma das seqüências que provavelmente está entre as mais memoráveis é quando a personagem de Fabiula Nascimento (antes de ficar famosa na novela Avenida Brasil) come uma coxinha com um prazer de dar água na boca, e logo em seguida, e sem vergonha de ser nojenta, grita literalmente de boca cheia com Nonato (João Miguel), explicando que putanesca é um termo "italiano e muito chique". Essa cena, feita com muita simplicidade e que só funciona pelo talento da atriz e do diretor por captar a imagem certa e no ângulo correto, resumem todas as qualidades do filme.

Ângulos fechados, ampliando as imagens e sensações como uma lupa. A câmera lenta para se observar e degustar cada detalhe. Tudo é feito de maneira que nada passe despercebido.

Nonato é extremamente introspectivo, introvertido, ignorante, tímido, obediente e incapaz de questionar ou ter senso crítico. É tratado o tempo todo como um nada qualquer, até lhe explicarem que culinária é como uma arte, e precisa ser desenvolvida. Quando Nonato desenvolve o seu gosto pela boa comida e pela bebida, aprendendo a fazer a mistura correta dos ingredientes, apurando seu olfato e paladar, ele coleciona um arsenal de armas que usará como em um campo de guerra quando percebe que pode dominar e manipular as pessoas pelo... estômago.

Há uma certa didática no filme, sim, ao detalhar demais a importância dos temperos certos, do tempo de cozimento, da fritura do alho, bem como as notas exaladas pelo vinho e a importância da sua qualidade no acompanhamento. Mas isso tudo tem o propósito de tratar a audiência como leiga para que ela tenha a mesma sensação que o personagem principal, tanto nos momentos em que ele aprende, quanto nos momentos que ele tenta fazer outros compreenderem essas diferenciações, como no fabuloso banquete que ele organiza no ápice do filme, seqüência em que ele deixa evidente que conhecimento no meio de tanta ignorância é o poder. É neste momento que todas as dificuldades do filme são reveladas, as de linguagem, comunicação, conhecimento e o senso comum, principalmente quando é servido o Carpaccio e quando Bujiú (Babu Santana) pergunta por que Nonato não serviu tudo de uma vez ao invés da "frescura" de servir os pratos em seqüência.

CONCLUSÃO...
Fantástico e nada sutil. Às vezes cru, às vezes cozido. Às vezes bem acompanhado, às vezes desce a seco. Tem um dos melhores finais que já vi, não chega a ser original, mas com certeza surpreende como se fosse uma primeira vez.

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