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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

SENTIMENTO UNIVERSAL...

★★★★★★★★★☆
Título: Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name)
Ano: 2017
Gênero: Drama, Romance
Classificação: 14 anos
Direção: Luca Guadagnino
Elenco: Timothée Chalamet, Armie Hammer, Michael Stuhlbarg, Amira Casar
País: Itália, França, Brasil, Estados Unidos
Duração: 132 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A chegada de um americano para estagiar com um famoso arqueologista transforma a vida de um rapaz que estará prestes a descobrir o seu primeiro grande amor.

O QUE TENHO A DIZER...
O fim da adolescência não é fácil, o início da vida adulta e independente também não. É quando Oliver (Armie Hammer) chega na Itália para estagiar com o pai de Elio (Timothée Chalamet) que esses dois momentos se encontram. Elio tem 17 anos, e mesmo que sua educação tenha dado bases sólidas para já ter consciência de suas próprias decisões, é a falta de experiência que o mantém com um pé dentro dos impulsos emocionais da adolescência. Oliver tem 25 anos, e ao mesmo tempo que se identifica com Elio em diversos aspectos, as experiências de vida já o deixaram mais maduro para ter objetivos específicos e menos impulsivos.

Oliver é bonito, inteligente e eloquente, mas seu jeito americano soa arrogante demais para Oliver, este que foi criado sob uma educação mais calorosa e refinada, notada por conta de sua personalidade musical e de sua abrangente cultura. Mas existe algo mais no estranhamento de ambos, aquele estranhamento no qual quanto mais tentam se evitar, mais se aproximam.

Assistir esse filme definitivamente nos enche dessa sensação de como esse sentimento puro aflora e cresce entre duas pessoas, e muitas vezes poderá soar nostálgico para quem se identificar com a situação em alguma época da vida, independente da sexualidade, porque o sentimento é único e essa é a realidade que todo mundo já passou pelo menos uma vez.

Baseado no livro homônimo de André Aciman, publicado em 2007, o roteiro tem algumas consistentes mudanças, mas feito de forma que felizmente o deixa sentimentalmente mais realista e menos melancólico. Ao contrário do livro, a intenção não era narrar um passado, mas persuadir o espectador de que aquilo que os personagens vivem naquele tempo e espaço é real. Dessa forma o sentimento se torna próximo e consistente o bastante para que o público se identifique com o arco emocional e dramático, ao ponto de sentirmos o misto de emoções que eles também sentem. A adaptação não é fiel ao livro no sentido narrativo, mas captou toda a sua essência de maneira tão delicada e sucinta que não é à toa que tenha vencido o BAFTA 2018 pelo Roteiro Adaptado, e esteja concorrendo ao Oscar 2018 também nesta mesma categoria, além de Melhor Filme, Melhor Ator e Música Original.

O cenário italiano não poderia soar mais romântico e caloroso, mas para atrapalhar o romancismo, temos a década de 80, que ainda era extremamente conservadora quando comparada com os dias de hoje. E se existe um grande obstáculo entre o romance que está prestes a nascer, será isso. E não porque haverá grupos, pessoas ou indivíduos a se opor ao relacionamento de ambos, porque essa discussão sequer existe, e está longe de ser a proposta. A apreensão dos personagens, a forma como lidam com os encontros secretos, a tentativa de dispersarem as atenções e, inclusive, suas próprias emoções, é tudo consequência do medo existente, o medo daquilo que desconhecem, e por desconhecerem, não saberem como lidar.

Me Chame Pelo Seu Nome não é um filme qualquer, e está longe de ser mais um Brokeback Mountain (2005) porque a naturalidade e a delicadeza com as quais o diretor Luca Guadagnino desenvolve toda a história consegue ser muito mais sutil e realista do que Ang Lee conseguiu fazer com a história dos cowboys. Isso que Ang Lee já é caracteristicamente um diretor conhecido por ser extremamente delicado.

O livro tende a ser muito mais enfático e explícito, mas Guadagnino acreditou que seguir o mesmo tom quebraria a construção da relação emotiva e de cumplicidade que ele propõe construir com o espectador. As cenas de sexo e nudez, por exemplo, eram muito mais presentes no roteiro, assim como são no livro, mas foram retirados não porque o diretor acreditou que pudessem ser chocantes, mas porque ele realmente achou desnecessário, acreditando que o excesso de impulso sexual soaria gratuito e comprometeria a originalidade do sentimento, saindo completamente do foco e da atmosfera transformadora que os permeia.

A dificuldade dos protagonistas é lidar com a situação na época, e mais do que qualquer outra pessoa, aceitarem o que acontece entre eles, e o que estão vivendo é raro e precioso. O aspecto social, a dúvida por seguir fiel ao sentimento, ou interrompê-lo para dar continuidade ao que a sociedade espera, não é uma discussão na história, mas está implícita e os atormenta como um fantasma. A princípio, a dúvida de Elio o faz ter atitudes coerentes com sua idade, sendo rude, distante e até ficando com sua melhor amiga para tentar chamar a atenção de Oliver, este que interpreta as atitudes de Elio de maneira totalmente contrária, igualmente se distanciando para respeitar o espaço do rapaz. E assim o tempo vai passando, os dias também, a estadia de Oliver se encurta e o espectador se angustia, porque como um observador onipresente, ele sabe o verdadeiro desejo de ambos, ao ponto de querer entrar na história e se intrometer na falta de comunicação entre eles. O processo é lento e honesto, tanto que quando a primeira investida acontece, é impossível não se empolgar tanto quanto eles.

A intenção do diretor é que o filme tenha uma continuidade. Por questões orçamentárias e de duração (já longo em suas mais de duas horas), tanto ele, quanto o roteirista James Ivory, preferiram interromper a história em um ponto anterior ao final do livro, um ponto interessante que deixou a situação aberta, livre para interpretações ou para uma continuação.

O grande trunfo do filme é sua simplicidade, a fotografia bucólica até poética que valoriza as pequenas e importantes coisas que sequer damos atenção na vida e no cotidiano, cheio de cenas silenciosas que dizem mais do que extensos diálogos, além dos personagens terem seus sentimentos respeitados por todos à sua volta, rendendo um discurso pra lá de emocionante do pai de Elio, e que, em sua essência, resume absolutamente todos os sentimentos e ambiguidades que a história explora.

E como bem dito nesse momento tão único e até surpreendente, a dor e a tristeza podem até existir, mas não devem nunca matar a felicidade, e será essa a grande moral de um belo filme sobre um sentimento genuíno e universal que muitas vezes pode acontecer apenas uma única vez na vida, e desperdiçá-lo é perder a experiência de vivê-lo com intensidade.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

SÓ O CAFÉ JÁ ESTARIA BOM...

★★★★★★★☆
Título: Café Com Seinfield (Comedias In Cars Getting Coffee)
Ano: 2012-
Gênero: Talk Show
Classificação: Livre
Direção: Vários
Elenco: Jerry Seinfield
País: Estados Unidos
Duração: 18 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Jerry Seinfield leva seus convidados para passeios de carro e café.

O QUE TENHO A DIZER...
Nunca fui fã de Jerry Seinfield. Sequer fiz questão de acompanhar seu famoso seriado, criado em parceria com Larry David, que levou ele e sua trupe ao estrelato imediato, constituído por Julia Louis-Dreyfuss, Michael Richards e Jason Alexander. Talvez porque na época eu não tivesse maturidade suficiente para entender aquele humor, talvez porque os episódios que eu tenha assistido tenham sido exatamente aqueles que não faziam sentido para outros além deles mesmos, ou talvez porque nunca gostei de fato.

O que sei é que, realmente, o humor de Seinfield nunca foi de piadas prontas, mas de uma vida cotidiana comum onde tudo pode ser o gancho para uma. Foi assim que ele revolucionou o cenário na época, e que junto com Mad About You e Friends, se tornaram referências das sitcoms modernas.

E é exatamente este estilo que ele repete aqui, mas em situações reais e improvisadas, sem roteiro. Um pocket talk-show que ele faz questão de, como ele mesmo diz, não ter todos os elementos chatos de um talk-show tradicional, algo que realmente veio a calhar numa época que este formato de programa parece ser o mesmo, só mudando o apresentador. Depois que, como o título já diz, ele só entrevistará comediantes, em sua maioria (ao menos até o momento), aqueles da mesma geração que a dele, dentro de um carro, num formato parecido com o britânico Carpool, do comediante Robert Llewellyn. A grande diferença aqui é que Seinfield particularmente escolhe o carro que mais se adequa à personalidade de seu entrevistado, além dos episódios serem extremamente condensados a não mais do que 18 minutos.

É um projeto que ele desenvolve desde 2012, a princípio disponível no Crackle (serviço de streaming gratuito que hoje pertence à Sony), mas que acabou migrando para o Netflix agora, em 2018.

A premissa é a mais pura informalidade, levando os entrevistados para restaurantes, bares ou lanchonetes inusitados. Não importa o lugar, desde que tenha café e comida. Através de perguntas aleatórias sobre a vida ou o trabalho, aquilo que pareceria monótono se torna naturalmente engraçado, cativante e viciante, por menos que você goste do comediante ou do entrevistado.

Seinfield em nenhum momento esconde seu egocentrismo, já que boa parte de seus relatos particulares são para enaltecer sua figura ou indiretamente esperar que o entrevistado o faça, mesmo que ele, por si só, seja uma figura desinteressante. O narcisismo também é forte, porque os entrevistados estão lá a todo momento para dar a ferramenta que ele precisa para ser a estrela de seu próprio entretenimento, e não o inverso. É como se o programa fosse um projeto de férias para contemplarmos a imagem de comediante bem sucedido que ele quer passar, e de quem ficou financeiramente abastado por ter tido uma idéia que todo mundo comprou durante os 10 anos que seu show ficou no ar. Um comportamento similar ao de Chelsea Handler, mas a comparação acaba por aí, porque o egocentrismo e o igual narcisismo de Chelsea consegue entreter por si só, e render boas piadas.

Não importa quem seja, de David Latterman à novata Colleen Ballinger, por maiores que sejam os momentos de intimidade e interação, sempre existe aquele desconforto de que o entrevistado pode ser importante, mas Seinfield é mais. Escolher o carro raro, buscar o entrevistado, levar o entrevistado, pagar a conta com uma gorjeta sempre acima do necessário. Atitudes que algumas vezes até os próprios convidados percebem que o dono do espetáculo não quer ser ofuscado, e que sempre haverá uma saída de emergência toda vez que ele for encurralado por uma piada alheia porque a piada pode ser boa, mas a deixa de Seinfield será sempre melhor.

É interessante que, no meio de todo o estrelismo que emana de sua aura, seu humor é simples, atento sempre a mínimos detalhes e ações que vem em chistes incontroláveis que ele absorve e traduz para uma linguagem compreensível. Um olhar que se faz ao ver a conta do restaurante; um tapa na mesa que o convidado defere para ser enfático; a expressão de alguém ao ouvir uma palavra incomum; um gesto particular de um desconhecido... coisas que geralmente deixamos passar despercebido nos micro-comportamentos de cada um, mas que para ele é a característica particular daquilo observado e que o faz ser único. É quando o espectador se familiariza com a forma que ele vê o mundo que, então, seu humor toma forma, pois conseguimos identificar suas fontes, e tudo passa a fazer muito mais sentido e graça. Até mesmo suas manias e fobias partem de coisas pequenas, e talvez seja por isso que seu humor seja o tal "humor irritado" que ele tanto questiona.

O talk-show é uma consequência óbvia do bloqueio criativo que Seinfield sofreu depois do término de seu programa em 1998, não tendo nada consistente ou que pudesse chamar particularmente de seu nos 14 anos seguintes. Esse seu programa não consegue passar de algo equivalente à síndrome de madame, que entediada no salão, resolve fazer compras. No caso, Seinfield, entediado na sala de casa ou em seu barco particular, resolveu sair por aí fazendo entrevistas. Imagino que ele quis juntar todas suas paixões em uma coisa só quando se viu há anos no mesmo lugar questionando o que fazer da própria vida. Não que todas essas paixões façam sentido quando juntas num pacote só. Carros podem ser complexos e de escolhas muito particulares, ao ponto de ser necessário conhecer muito bem alguém para que aquela escolha faça sentido. Mas não vejo a importância deles no programa ou a ênfase dada aos carros durante as entrevistas mais do que dos entrevistados, e nem sempre me convence que as escolhas do modelo, ou da cor, ou do tipo, tenham sido "coincidentemente certeiras". Assim como as "espontaneidades cênicas", do tipo: "abri sua porta e você não estava me esperando", os carros e lugares escolhidos são elementos que deixam claro que nem tudo é tão espontâneo ou improvisado assim. Excessos que poderiam ter ficado de fora. Se assim como no título nacional o programa fosse apenas um café com o apresentador, tudo seria mais leve e menos dispersivo.

Se tem uma coisa muito interessante é que Seinfield respeita e se importa com o cenário artístico do qual veio, compreendendo perfeitamente que a comédia e o humor nos Estados Unidos é parte imprescindível da cultura como libertação crítica, social e política, e que o humor também dá caráter. Ele não é carismático como muitos dos comediantes que ele convida, como Kristen Wigg, Tina Fey, Jimmy Fallon, ou até mesmo Jim Carrey, o primeiro convidado. Ele também não é engraçado. Seu talento é ser rápido e inteligente, mas acima de tudo, espontâneo, respeitando não apenas o humor de todos, mas a personalidade e as peculiaridades de cada um, deixando completamente de lado qualquer olhar crítico. Sua relação com a comédia é apaixonada, e apesar da abastança, é o humor que realmente o sustenta em pé.

Ao mesmo tempo que ele pode apresentar-se uma pessoa agradável, por outras ele é extremamente desagradável como um sociopata, ao ponto de às vezes até seus convidados chamarem sua atenção sobre isso, sendo nesses momentos que muita gente se lembrará que não gosta dele.

O pocket talk-show de Seinfield não tem nada de inovador ou original, podendo levar alguns episódios até o espectador se acostumar. É um programa com um formato para quem tem pressa, adequado para a vida virtual que todos levam. O que é irônico, já que Seinfield critica constantemente esse estilo de vida.

Mesmo com o esforço hercúleo do comediante querer estar sempre à frente, seus convidados desempenham o maior papel de transformar o programa em algo genuinamente agradável. É curto, rápido e simples. Se a Netflix manterá o mesmo formato, só saberemos quando a nova temporada estrear ainda este ano, mas seria de bom grado aumentar mais uns 20 minutos, porque sempre que a conversa começa a ficar boa e a intimidade entre ele e o convidado finalmente flui, a entrevista acaba.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

ALIEN NUNCA MAIS VOLTARÁ A SER ALIEN...

★★★★☆
Título: Alien: Covenant
Ano: 2017
Gênero: Ação, Horror
Classificação: 14 anos
Direção: Ridley Scott
Elenco: Michael Fassbender, Katherine Waterston, Billy Crudup, Danny McBride, Demian Bechir
País: Estados Unidos, Reino Unido
Duração: 122 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
11 anos depois da expedição Prometheus, a nave colonizadora Covenant está com destino ao planeta Origae-6. Mas um acidente no percurso faz a tripulação optar por investigar um sinal recebido em um planeta habitável que está muito mais próximo, e que poderia oferecer as mesmas condições de vida.

O QUE TENHO A DIZER...
Se existe uma coisa que Ridley Scott nunca deveria ter feito é revivido a franquia Alien. Tudo bem que podemos concordar que os louros se iniciaram com ele, no primeiro filme de 1979; depois foram firmados com a sequência de James Cameron, em 1986; entre gostos e desgostos mantido por David Fincher em 1992; e uma tentativa fracassada de um reboot/continuação de Jean Pierre Jeunet em 1997. Diretores distintos que imprimiram, cada um à sua forma, características únicas em seus filmes, gerando preferências variadas. E poderia ter parado por aí.

O projeto de darem continuidade à série depois do filme de Jeunet havia quase morrido, e a idéia retornou no começo de 2000. Avançando no tempo, quando os boatos de Scott retornar com a franquia pipocaram pela rede em meados de 2010, os fãs entraram em polvorosa acreditando que seria a volta do horror espacial de maneira triunfal, afinal, foi o próprio Scott que o criou com tanta efetividade. O diretor então veio com uma historinha pra lá de esquisita, dizendo que no decorrer da produção os rumos do filme mudaram, e ele não seria mais nenhum tipo de continuação ou pré-continuação, mas uma história particular que se passaria no mesmo universo de Alien. A idéia parecia interessante, e o primeiro trailer forneceu a mesma ficção científica aterrorizante que a série Alien sempre soube usar tão bem.

O problema é que fomos enganados desde o princípio. Além de um roteiro cheio de personagens inúteis, buracos e falhas ditadas pela reciclagem mal feita de mitos e lendas espalhadas pelo mundo em diferentes culturas ocidentais e orientais, Scott tentou transformar uma história simples da ficção em algo desnecessariamente complexo e existencialista demais ao ponto da mais pura mediocridade.

Ele tentou, com muito esforço e sem sucesso, criar um novo clássico, mas nunca conseguiu, sequer, sair da sombra de si mesmo. E no fim, Prometheus é, na realidade, assim como sempre foi desde o princípio, uma pré-continuação tão inferior ao ponto de ser esquecível. E embora tenha arrecadado o suficiente no mundo para garantir uma continuação, a verdade é que ele foi um fiasco no Estados Unidos, e a crítica especializada e leiga simplesmente o massacrou sem medo algum. E com exceção dos fãs extremistas e sem senso crítico, o resultado geral foi igualmente um desastre na opinião pública.

E Prometheus ser esquecido é o que Scott também tenta. Correr para resgatar a marca "Alien" neste novo título pareceu providencial para o processo. Claro que há algumas referências aqui e ali do filme anterior, e o roteiro nos faz lembrar a todo instante que, sim, existiu um filme pior antes dele. E só por isso o longa já se torna intragável por si só.

A intenção de Scott aqui é consertar seus erros. Enfiou o título novamente em seu devido lugar para que as pessoas associassem de fato que, dessa vez, é uma pré-continuação, e não uma enganação, e na história em si ele avançou no tempo para não ter que dar mais vida à personagem Elizabeth Shaw (Noomi Rapace), reprovada pelos fãs e de uma boçalidade sem tamanho no universo dos bichões cabeçudos.

Agora ele tenta contar a história que, desde o princípio, Sigourney Weaver sempre quis que acontecesse enquanto sua personagem ainda existia: visitarem o planeta de origem da espécie. A pena é que não temos mais Weaver e nem Tenente Riplay, mas uma personagem tão chata e igualmente dispensável quando Dra. Shaw. A malquista da vez é Katherine Waterston, no papel de Daniels, que já começa o filme em crise, chorando muitas pitangas porque seu marido morreu durante uma falha na capsula de hibernação, que ao invés de liberá-lo, o incinerou. Um personagem que, para a história tanto do filme, quanto da franquia, não faz o menor sentido além de criar conflitos e mal estares de maneira ágil logo no princípio do filme, aumentando a tensão entre os personagens e os isolando, tudo aquilo que os bichões adoram pra fazer a festa da carnificina.

Daniels nada mais é que uma reprise de Ripley, ou uma tentativa fajuta disso. A masculinização de Ripley ao longo da série, com seu ápice nos episódios dois e três, aconteceu por motivos que tem coerência com o mundo e os diferentes tempos que a personagem viveu, uma jornada maravilhosamente analisada por Eliane Brum em sua coluna no jornal El País. Aqui essa masculinização é deliberada, sem qualquer coerência além de lembrar ao espectador que, para ser uma heroína, é necessário se comportar como um homem, e parecer um homem, mas lembrar a todo instante que ainda é uma mulher porque está sempre com a cara inchada de tanto chorar.

Também criaram uma nova forma de inoculação, através de esporos que penetram pelos orifícios dos humanos e alguns minutos depois já temos um Alien bebê crocante e novinho em folha saindo pelas costas de seu hospedeiro, igualzinho em Manitou, O Espírito do Mal, de 1978.

Já não bastasse as diversas formas deles se reproduzirem, ainda inventaram mais essa, porque a franquia precisa se renovar, os perigos e obstáculos também, e é necessário criar um novo produto que possa oferecer medo ao espectador, o que falha de maneira abundante aqui.

Não é convincente, e foge completamente da proposta de HR Giger quando este criou o conceito do xenomorfo, que era unicamente despertar os medos natos do ser humano. Com tantas referências fálicas, da cabeça à cauda do animal; o medo pela penetração forçada; da violação e do estupro, os alienígenas criados pelo artista plástico despertaram o senso de medo mais profundo e erótico de seus espectadores.

Mas a incansável exploração de suas imagens, além da gradual substituição dos efeitos práticos pelos digitais ao longo da franquia, tiraram deles esse poder de ebulir o mais assustador sentimento de cada um. E isso é sentido a todo instante em Covenant, que até oferece uma boa sensação de isolamento em meio à ambientação obscura, fria e claustrofóbica em alguns momentos e que são, em essência, marcas registradas da série, mas estão longe de ter a mesma efetividade porque Scott aposta novamente mais nos exageros do que na técnica e na simplificação.

Cheio de conflitos internos sem sentido entre os personagens, discordâncias irrelevantes e uma total falta de interação entre eles, fica difícil acreditar que a tripulação escolhida teve treinamento suficiente para sobreviver a situações adversas, resultando em mortes estúpidas, como a de Karine (Carmen Ejogo) e Maggie (Amy Seimetz), que obviamente acontece justamente para ter uma razão específica para todo o grupo ser obrigado a permanecer no planeta e viver em uma constante dúvida de personalidade entre David e Walter, ambos interpretados por Michal Fassbender.

Mas no geral, o que o filme mais peca é a necessidade que Scott de repente sentiu de que, para dar continuação à franquia, seria necessário justificar a natureza dos aliens. É fato no cinema que todo vilão, inimigo ou antagonista cuja história pregressa, ou origem nunca contada, se torna um desastre quando é feito. A curiosidade do espectador em saber existe, mas ao mesmo tempo a liberdade que é dada a eles de imaginar é muito mais consistente, sendo isso que faz aquele personagem, aquela lenda ou mito, ou aquele medo sobreviver. Contar a origem de um mal é como retirar dele todo o mal que existe, e da mesma forma foi o que Scott fez ao tentar contar a origem de um dos seres mais assustadores que o cinema já criou. O significado do medo, criado pelo próprio diretor no primeiro filme, foi simplesmente destruído por ele mesmo neste último porque foi retirado dos espectadores o direito de escolha que a franquia sempre permitiu.

Acredito que, em sua fundação, a explicação que o roteiro desenvolve até chega a ser interessante em certo ponto ao concluir que, no fim de tudo, o maior medo dos homens foi criação dele mesmo. Mas esse arco criado em cima da metáfora do homem brincando de deus foi tão largamente explorado na ficção científica, e igualmente explorado na franquia em Prometheus e no seu massacre filosófico-existencialista que se tornou algo redundante e sem qualquer impacto nesta sequência.

Covenant não foge do processo de ser apenas mais uma tentativa de Scott tentar sustentar uma fama e uma franquia que não possuem mais o mesmo peso de antigamente.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

LITERAL E FIGURADO...

★★★★★★★★★☆
Título: Desventuras Em Série (A Series Of Unfortunate Events)
Ano: 2017
Gênero: Fantasia, Comédia, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Neil Patrick Harris, Patrick Warburton, Melina Weissman, Louis Hynes, Joan Cusack
País: Estados Unidos
Duração: 50 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Após a morte de seus pais, os irmãos Baudelaire são enviados ao seu parente mais próximo (de distância), o terrível e maléfico Conde Olaf.

O QUE TENHO A DIZER...
Para quem achava que Lemony Snicket, assim como os irmãos Grimm, era um senhor de algum século passado que escrevia contos juvenis no sótão de sua casa, e de repente foi descoberto postumamente neste século pelo público juvenil, vai estar redondamente enganado.

Snicket nada mais é que o pseudônimo do escritor estadunidense Daniel Handler, sendo também o personagem de um de seus livros e o narrador onipresente de Desventuras em Série, uma série de treze livros publicados entre 1999 e 2006, com mais de 65 milhões de cópias vendidas em todo o mundo.

Embora o sarcasmo de Snicket tente a todo momento desmotivar ou desencorajar o leitor de continuar a história, isso é ele brincando muito bem com a psicologia reversa, que tanto funciona entre os mais jovens. É proibindo que eles querem fazer; é dando a permissão que eles perdem o interesse. Baseado nesse comportamento, Snicket conquista o interesse de seu leitor, mesmo que ele, assim como o personagem Klaus, já saiba perfeitamente a diferença entre o literal e o figurado, dois sentidos presentes com constância e peso nos variados jogos de palavras que Handler gosta tanto de usar e explicados com a mesma frequência para esclarecer àqueles que ainda não sabem essa diferença. 

Ou seja, Snicket não apenas é didático para os mais jovens, como também tira sarro da ignorância dos mais adultos sem ser ofensivo. Sua narração tragicômica e apática, que por muitas vezes chega até a revelar o fim com antecipação - antes mesmo da história começar - engatilha a curiosidade do leitor em saber como tudo vai acontecer. Psicologia reversa, como dito.

O primeiro livro foi adaptado ao cinema em 2004 pelo diretor Brad Silberling. A princípio era para Tim Burton dirigí-lo e Johnny Depp interpretar o papel do maléfico Conde Olaf, mas ambos acabaram desistindo do projeto. Quando Silberling tomou a direção, ele tentou se manter o mais fiel possível às idéias iniciais de Burton porque acreditava que se adequavam demais ao surrealismo do livro, tanto que cogitou a possibilidade de manter Burton na produção. Mas ao invés de Burton, temos Barry Sonnenfeld, um diretor que se aproximou bastante do gótico e do humor negro "burtonista" com suas adaptações de A Família Adams e que produz não apenas o filme, como também a série, e só não dirigiu o filme por desavenças orçamentárias com o estúdio.

O filme contou com Jim Carrey no papel do Conde, numa época em que sua carreira claudicava. Era o início de sua ladeira abaixo para o quase esquecimento que se encontra hoje. Carrey pode ter lá seus defeitos e vícios de interpretação que beira o insuportável, mas é inegável seu talento. A infelicidade do ator foi ter se transformado em uma caricatura dele mesmo, se estereotipado em um estilo único que chamou a atenção de todos com O Máskara (1994), um personagem no qual ele vive sob a sombra até hoje. Mas em Desventuras é diferente. Embora ele mantenha o estilo caricato, e alguns dos mesmos vícios ainda estejam presentes, a sensação de que ele tenta se distanciar de sua própria imagem é muito nítida. Simplesmente esquecemos que é Carrey por debaixo da maquiagem. A elasticidade que ele tem para desenvolver a comédia física de seus personagens sempre foi um de seus maiores talentos, coisa que ele usa nos momentos certos neste filme, numa versatilidade e fluência tão grande quanto nos disfarces de seu personagem.

Conde Olaf é descrito como um dos maiores piores atores que existe (descrições paradoxais como essa também são constantes na escrita de Handler), e Carrey consegue não apenas sustentar o filme como também personificar o personagem exatamente desta forma. O interessante aqui é que, embora ele seja um dos personagens principais, o filme não o coloca como grande centro de atenção, e por isso apreciamos o trabalho de Carrey por aquilo que ele faz, e não por aquilo que é.

Tentando ser o mais fiel possível ao livro, o filme peca em alguns aspectos de seu desenvolvimento, numa série de acontecimentos e um número muito grande de personagens que chega a ser um tanto atordoante para apenas uma hora e meia.

É aí que o seriado entra de maneira até glamurosa.

Carimbado pela Netflix, a primeira temporada da série, com 8 episódios, é essencialmente uma versão extendida do próprio filme em todos os aspectos, mas com um melhor espaço e aproveitamento de tempo para se desenvolver de forma muito mais detalhada os pormenores que no filme não couberam, tudo numa narrativa mais completa e que preenche buracos que o filme deixou.

Sonnenfeld agora também dirige alguns episódios, e o próprio autor do livro também é o roteirista e produtor. Ou seja, para ser mais fiel que os livros, impossível. Até a atriz escolhida para interpretar Violet tem uma similaridade até espantosa com a hoje-não-mais-garotinha Emily Browning, da adaptação cinematográfica. Mas os personagens de Handler são tão ricos e detalhados que, assim como uma boa música, oferecem material suficiente para terem as mais diferentes interpretações sem perderem suas essências.

É exatamente aí que os novos atores escolhidos para cada um dos personagens que surgem durante a incrível jornada dos Baudelaires se torna um diferencial, como é o caso de K. Tood Freeman no papel do Sr. Poe, ou Joan Cusack (que já trabalhou com Sonnefeld antes) fazendo uma bem vinda participação no papel da Juíza Strauss. Asif Mandvi como Tio Monty, ou a volta de Catherine O'Hara na história, mas dessa vez no papel de megera Dra. Orwell (ela havia feito o papel da Juíza Strauss no filme).

É emocionante e um tanto nostálgico ver Sonnenfeld de volta a um universo no qual ele domina tão bem, trazendo consigo pessoas que ele confia para desenvolver um produto apaixonado. Um diretor que começou sua carreira dirigindo filmes pornográficos na década de 70, dos quais ele se lamenta profundamente, afirmando ter sido um dos períodos mais turbulentos da sua vida, e que de repente conseguiu traçar sua trajetoria em Hollywood a passos curtos e sólidos como cinematografista, e finalmente se tornando um dos mais cogitados diretores da sua época depois do sucesso de A Família Adams (1991) e sua continuação de 1993. Mas depois da série M.I.B - Homens de Preto, ele aos poucos foi desaparecendo do spotlight, se dedicando a projetos pequenos no cinema e TV. Hoje quase ninguém mais lembra quem é ele, e é observando a delicadeza e deliciosa fantasia com que ele conduz as histórias que definitivamente percebemos um talento subestimado e que estava fazendo falta.

A atmosfera fantasiosa vista na série e a ironia visual se mantém na mesma referência estrutural de Tim Burton, numa paleta de cores mais fria, mas muitas vezes se assemelhando de igual forma com o deslumbrante-falecido seriado Pushing Daisies (2007-2009), criado por Bryan Fuller, outro interessante material que também faz ode ao maravilhoso universo "burtonista". Não é por menos que Sonnenfeld também produziu este seriado, não sendo então uma mera questão de coincidência Desventuras ser similar em vários aspectos técnicos e estéticos com o seriado de Fuller, seja na fotografia ou no design de produção, ou até mesmo na narrativa despretensiosa com constantes quebras da quarta parede para acentuar o tom cômico e atenuar o gótico.

Proposital ou não, as referências às obras igualmente fantásticas de Wes Anderson ou Jean-Pierre Jeunet são notáveis. De Anderson a simetria e a sobreposição de planos, sempre tendo algo ao fundo para atrair a atenção do espectador sem ele perceber; de Jeunet o realismo mágico como as desventuras se concluem, se assemelhando muito a clássicos deste diretor francês, como Ladrão de Sonhos (The City Of Lost Children, 1995) e Uma Viagem Extraordinária (The Young And Prodigious T.S. Spivet, 2013).

Jim Carrey não repete o papel de Conde Olaf, mas em seu lugar entrou Neil Patrick Harris, que também produz alguns episódios, deixando mais evidente ainda o nível de comprometimento do elenco com o projeto. É inquestionável o talento do ator no papel, tão interessante quanto o trabalho desenvolvido por Carrey, e do qual muito ele preservou, diga-se de passagem. A diferença é que, enquanto Carrey carregou um pouco mais no humor, Neil fez o contrário, acentuando um pouco mais o tom sombrio, deixando-o mais assustador e maquiavélico. Uma mudança sutil e que fez uma enorme diferença, mas que ainda não conseguiu justificar, por exemplo, o único ato explicitamente violento de toda a história, que é quando Olaf defere um tapa no rosto de Klaus. Um momento que, na minha opinião, poderia ter sido deixado de fora tanto no filme, quanto no seriado, pois é chocante de maneira desnecessária, ferindo a fantasia juvenil que toda a atmosfera lúdica tanto da história, quanto da produção, criam.

Sabemos das intenções sórdidas de Olaf desde o princípio, sabemos que ele é um criminoso inescrupuloso, narcisista e ambicioso, e qualquer coisa entre o que ele é o que ele virá a fazer na intenção de roubar tudo o que restou dos Baudelaires a qualquer custo, se torna até pequeno e irrelevante, mas o tapa imputa uma quebra narrativa até chocante, porque é o único momento que não foi feito com nenhuma figura de linguagem, com nenhuma intenção de ser engraçado. Foi literal, e não figurado.

Todos os defeitos de Olaf são utilizados para construir o caos da sua caricatura decadente. É dele que vem o humor negro e o antagonismo de tanto brilhantismo presente na unidimensionalidade dos protagonistas. O tapa pode ter, no livro, a função narrativa de mostrar que o personagem nunca terá seu momento de redenção, e que sua maldade não é realmente uma brincadeira textual. Mas nas telas teria sido inesperado e mantido o humor negro, bem como sua essência, se o tapa, por exemplo, tivesse sido deferido acidentalmente e Conde Olaf não se desculpasse por isso, ao invés de ter sido um ato deliberado e que realmente ofende o espectador.

O autor e roteirista é extremamente generoso com o nível de maldade e oportunismo que existirá em torno do casal de irmãos, sua intenção é explicitamente mostrar como a tristeza não tem fim, mas a felicidade sim. Mas embora o destino dos Baudelaires seja de um nível trágico fora de proporções nas mãos de Handler, apesar de tudo ele está do lado das crianças, assim como Lemony Snicket também, e é isso que nos conforta como espectador. A relação dos adultos com as crianças são sempre de superioridade, desde sempre acreditar que tudo que elas dizem é mentira ou exagero, até mesmo desqualificarem as experiências que elas adquirem. Mas a personalidade de Klauss e Violet mantém uma positividade que não morre. Não é um otimismo amedrontador, como do personagem que conhecem na madeireira, mas simplesmente acreditarem que os meios difíceis justificarão o fim de maneira satisfatória.

Com tantas nuances, figuras de linguagem implícitas e explícitas, e uma linguagem visual fascinante, tudo é baseado na ironia visual com a verbal, como acontece na família de Mr. Poe, onde tudo é tão pequeno, inclusive a própria casa, que nada mais é do que o reflexo da personalidade de todos eles. E se o espectador não prestar atenção, não notará que ela é tão pequena que está quase esmagada entre dois grandes imóveis, e da mesma forma, a ironia que ela representa.

E desse jeito o seriado é construído, em um deleite visual constante, com momentos sinceros e outros um tanto surreais, num equilíbrio que entretém e igualmente fascina na sua simplicidade emocional.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

PEQUENOS DEFEITOS, GRANDES QUALIDADES...

★★★★★★★☆
Título: Cidade das Esmeraldas (Emerald City)
Ano: 2017
Gênero: Ação, Drama, Fantasia
Classificação: 14 anos
Direção: Tarsem Singh
Elenco: Adria Arjona, Oliver Jackson-Cohen, Vincent D'Onofrio, Ana Ularu, Joely Richardson, Jordan Loughran, Gerran Howell, Isabel Lucas, Stefanie Martini
País: Estados Unidos
Duração: 45 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Uma versão reimaginada das histórias de Oz, com uma Dorothy em seus 20 anos de idade.

O QUE TENHO A DIZER...
Essa produção do canal NBC teve um início conturbado. A princípio as filmagens eram pra ter começado em 2014, com previsão de lançamento em 2015, mas foi cancelada antes mesmo de ter início, com produtores entrando e saindo por conta de divergências criativas. Em 2015, a NBC voltou atrás e encomendou sua produção, cujo primeiro episódio teve estréia em Janeiro de 2017.

Com uma média de audiência de 4,5 milhões de pessoas nos primeiros episódios, os números só caíram no decorrer da temporada, números baixos para um canal aberto e para uma produção cara como esta. Muito embora a sua transmissão pelo canal britânico 5Stars tenha sido bem sucedida, não foi o suficiente para atingir a expectativa comercial esperada.

A NBC, mais famosa por cancelar seus programas e seriados sem qualquer aviso prévio numa Síndrome de Silvio Santos que todo canal aberto tem, não fez diferente aqui e riscou Emerald City pra sempre de sua grade de programação, deixando pra trás mais um programa que, apesar de alguns tropeços, tinha potencial e uma premissa interessante. Seu maior problema foi a resistência por parte daqueles que tem como referência apenas o filme de 1939 e nada mais, que esperavam assistir um repeteco do mesmo e acabaram encontrando algo completamente diferente.

Vagando entre a mesma atmosfera fantasiosa de Once Upon A Time (2011-2017), as quebras de espaço de tempo e o romancismo novelesco de Outlander (2014-), até a complexa disputa pelo poder e seu controle como em Game Of Thrones (2011-), o maior atrativo sem dúvida era a reimaginação em torno da história de Dorothy e sua relação com o mundo de Oz.

Para a maioria das pessoas, o seriado contaria a mesma história que a desenvolvida pelo filme, mas por um ponto de vista diferente, enquanto na realidade apenas alguns elementos narrativos foram mantidos para dar o ponto de partida na história, e demais referências diretas e indiretas foram usadas livremente.

Isso causou uma certa confusão, dividindo o público entre aqueles que se interessaram pela forma como tudo foi recontado e entre aqueles que definitivamente não entenderam a proposta de utilizar todo o universo criado por L. Frank Baum de uma forma mais livre, aberta para reinterpretações mais humanas, deixando de lado a fábula sem abandonar a fantasia.

Nenhum diretor teria sido melhor para isso do que Tarsem Singh.

Conhecido por delírios visuais como A Cela (The Cell, 2000), Dublê de Anjo (The Fall, 2006), Imortais (Immortals, 2011) e Espelho, Espelho Meu (2012), o diretor indiano sempre foi criticado por produzir filmes que, embora visualmente catárticos e surrealistas, falham abruptamente no desenvolvimento de suas histórias.

Em certo ponto é basicamente o que acontece outra vez aqui, mas de uma maneira bem mais branda, tanto para o visual, quanto para o roteiro escrito pelos criadores da série, Matthew Arnold e Josh Friedman, 

Visualmente as marcas registradas de Tarsem estão lá o tempo todo, mas um pouco mais apagadas e entristecidas depois da morte de sua maior parceira de trabalho em 2012, a figurinista japonesa Eiko Ishioka, e de uma equipe artística e técnica que nunca havia trabalhado com o diretor antes, com exceção do cinematografista Colin Watkinson, que auxilia aqui para novamente oferecer algumas cenas memoráveis, como no confronto entre a bruxa do Leste (Florence Kasumba) e Dorothy (Adria Arjona).

Embora o trabalho de Trisha Biggar seja igualmente atraente e traga muito dos elementos dos trabalhos anteriores de Tarsem, ela definitivamente não consegue ter uma identidade tão marcante e culturalmente substancial como Ishioka. Sem dúvida há momentos de imenso desbunde, como o figurino e as suntuosas máscaras da Rainha Langwidere/Lady Ev (Stefanie Martini), mas peca na maioria das vezes por não ter uma expressividade quase espiritual, como eram os trabalhos da japonesa, que pareciam sempre em total sintonia com o mundo dos sonhos em que Tarsem parece viver.

Mas de um modo geral, todo o aspecto visual está em coerência com os elementos e personagens da história, até mesmo quando eles não existem diretamente, porque ao abolir a fábula, muitos personagens viraram apenas referências, enquanto outros foram transformados para se adequarem à abordagem mais humana, deixando a fantasia mais convincente.

O seriado acerta em cheio ao manter o tom mais obscuro e assustador que originalmente existe nos livros, dando maior profundidade às situações e aos conflitos. Algo que o público não compreendeu muito bem, novamente por conta do senso comum de o filme com Judy Garland ser a única referência popular existente. Ao mesmo tempo, para aqueles que conhecem tanto os livros quanto o filme, irá se divertir em encontrar no meio dos 10 episódios muitas referências de ambos, assim como personagens e situações que não tiveram sua vez na adaptação cinematográfica.

O Leão Covarde, o Homem de Lata e o Espantalho podem não ser personagens vivos dessa vez, caso contrário, como dito, a série se tornaria uma fábula. Mas mesmo não aparecendo, eles estão presentes nas referências, como Eamonn (Mido Hamada), o guarda pessoal do Mágico (Vincent D'Onofrio), que em um determinado momento utiliza uma fantasia de leão e é chamado de covarde após ser exilado da Cidade das Esmeraldas; ou Lucas (Oliver Jackson-Cohen), o interesse romântico de Dorothy, que é encontrado sem memória, pendurado em uma cruz de madeira igual um espantalho; ou Jack (Gerran Howell), o melhor amigo de Tip (Jordan Loughran), que é todo reconstruído em lata e tem seu coração substituído por uma máquina depois de um grave acidente.

Essa reinvenção do mundo também atinge os personagens, mas suas funções são praticamente as mesmas dos livros, como as história de Tip e Mombi (Fiona Shaw), Lady Ev, do próprio Mágico de Oz, e até mesmo do cachorro Totó, que ao contrário de ser aquele bicho fofinho do filme, é um pastor alemão de guarda transportado a Oz de tabela.

Personagem que raramente aparece no primeiro livro, dessa vez o Mágico é praticamente um protagonista. Interpretado por Vincent D'Onofrio, desde o princípio não é escondido do espectador que ele é uma farsa, só não sabemos até que ponto.

Por ser uma enfermeira destemida do Kansas, que viaja pelo tempo e espaço, se apaixonada por um guerreiro e geralmente age por impulsos altruístas, a semelhança entre Dorothy e Claire Randall, de Outlander, já é grande o bastante para, da mesma forma, tanto a interpretação, como o desenvolvimento e a personalidade do personagem de D'Onofrio serem quase idênticos ao que ele fez com Wilson Fisk, em Demolidor.

Sofrendo da síndrome do vilão incompreendido de coração partido, o drama do Mágico segue em mesmo número e grau que o do vilão de Demolidor. Usando uma barba notavelmente postiça para deixá-lo irreconhecível e caricato, a intenção afunda igual Titanic quando o deja vu é forte. D'Onofrio não abandona - ou sequer se atenta a amenizar - os mesmos cacoetes e vícios de interpretação do vilão da outra série. Até o crescimento de seu interesse romântico por Anna (Isabel Lucas) e a relação que ambos desenvolvem é, até certo ponto, assustadoramente idêntica entre Fisk e Vanessa.

Numa trama que até cria metáforas interessantes a respeito de lideranças religiosas que fortalecem o controle cultural e do pensamento, aquilo que parecia simples no embate entre o conservadorismo totalitário do Mágico com a democracia tradicionalista das bruxas, se torna confusa quando as intenções de demais coadjuvantes, como as irmãs bruxas do Norte (Joely Richardson) e do Oeste (Ana Ularu), ou o romance entre Dorothy e Lucas se perdem nos conflitos, sambando de um lado para outro, esquecendo de seus próprios propósitos na trama. Principalmente quando tudo começa a cair no cliché romântico que era bastante desnecessário.

Até Dorothy, que de maneira interessante, quanto mais fica em Oz,  mais aparenta absorver uma maldade que gradualmente muda seu comportamento heroico, pendendo à mesma falta de caráter dos demais, se torna algo completamente sem graça por não ter um momento genuinamente engrandecedor e que sustente a sua função de peça chave em toda a trama. Pelo contrário, ela se mostra fraca, inútil e sem propósito, e se um furacão tivesse a engolido no meio da história e a jogado de volta em Kansas sem a gente nem saber, ela nem faria falta.

Oz é, por excelência, um cenário onde tudo acontece, mas que no meio desse caos todo, perdeu as pontas de suas subtramas. Acertou quando mostrou que é possível se reinventar um universo sem abandonar as suas raízes fantásticas, pois não lhe faltou consistência, mas uma melhor organização de idéias. Tanto que, quando a série se aproxima ao fim, atingindo seu ápice numa grandiosa batalha entre o exército do Mágico com a irmandade das bruxas, o espectador não apenas é agradado com a beleza da construção de determinadas cenas típicas de Tarsem (como não se impressionar com Glinda tomando forma em meio às libélulas), como também tem a sensação de que muito mais poderia ser oferecido em temporadas seguintes, em um final de capítulo que deixa uma ótima ponta aberta para uma continuação que nunca existirá.

Emerald City pode não ter sido muito bem interpretada por uma parte do público, mas em sua essência, nada justificou consideravelmente seu cancelamento, nem mesmo a baixa audiência. O que faltou foi persistência por falta do estúdio, e paciência por falta do público que sempre costuma ser relutante com aquilo que tenta fugir do convencional.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

SALVO PELO GONGO...

★★★★★★☆
Título: Assassinato no Expresso do Oriente (Murder On The Orient Express)
Ano: 2017
Gênero: Policial, Suspense, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Kenneth Branagh
Elenco: Kenneth Branagh, Johnny Deep, Tom Bateman, Daisy Ridley, Josh Gad, Michelle Pfeiffer, Penelope Cruz, William Dafoe, Judi Dench, Olivia Colman
País: Reino Unido, Estados Unidos
Duração: 114 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Ao pegar o Expresso do Oriente, o conhecido melhor detetive do mundo, Hercule Poirot, se vê envolvido em um crime à bordo, sobrando a ele resolvê-lo.

O QUE TENHO A DIZER...
Talvez a última vez que uma obra de Agatha Christie tenha sido vista no cinema de grande circuito seja em 1989, na adaptação de O Caso dos Dez Negrinhos/E Não Sobrou Nenhum (Ten Little Niggers/And Then There Were None). Houve uma adaptação britânica de A Casa Torta (Crooked House, 2017), mas longe de ter a mesma divulgação e o mesmo sucesso que esta nova versão de Assassinato no Expresso do Oriente.

Christie tem uma base sólida de fãs que se renova geração após geração, mesmo depois de quatro décadas após sua morte, em 1976. A "dama do crime" sempre foi considerada uma autora perspicaz, e sua fórmula criou um gênero próprio dentro do estilo policial que, embora muito popular principalmente na Europa, tinha uma marca registrada tão forte que suas obras são únicas. Mas como dito, era uma fórmula, da qual Christie utilizou incansavelmente ao longo de sua carreira até o desgaste em meio de seus mais de 80 livros, sendo 33 deles protagonizados pelo seu mais famoso personagem, Hercule Poirot. Por essa razão, ela é considerada muito mais uma novelista do que uma romancista, porque seus livros são de situações afins (há sempre um crime e um assassino a ser descoberto), com narrativas mais sóbrias e diretas, e personagens que raramente saem da bidimensionalidade, tudo isso numa linguagem típica de livros de banca, sempre mais preocupada em desenvolver situações do que personagens. Em suma, suas obras são materiais de entretenimento e nada mais, algo que ela nunca contrariou.

Mas isso não significa que seja literatura ruim, de forma alguma. Suas histórias de crimes mirabolantes são imersivas, e as mais diversas situações e cenários que ela cria são, de fato, de uma perspicácia que sempre pega seu leitor desprevenido, por mais óbvia que possa parecer, além de ter embutido o típico humor britânico que tira a carrancuda seriedade do estilo. Mas quanto mais nos familiarizamos com sua personalidade literária, mais previsível suas histórias se tornam.

Ela não escreveu livros para ela, mas sim para seu público. Tanto que Poirot, ao contrário do que muita gente pode imaginar, não era seu personagem preferido. A verdade é que ela não o suportava e só não o matou antes de Cai O Pano (1975) porque, apesar de ser um personagem detestável (e que ela o fez se tornar mais detestável ao longo dos livros), tinha uma excentricidade cativante e que o público adorava, e matá-lo antes teria provocado a ira de seus leitores.

Por conta da própria estrutura de suas novelas, é notável que sejam materiais melhores adaptados para a televisão do que para o cinema, e é por isso que Christie não é muito levada para as telonas, e poucos são aqueles interessados nisso. Talvez seja essa a grande razão de um hiato de quase três décadas de alguma de suas obras no cinema, e mesmo que a adaptação de Branagh, com roteiro de Michael Green (o mesmo de Logan e Blade Runner 2049), seja bastante fiel (com uma ou outra leve mudança aqui e ali para adequá-lo aos dias atuais) e de uma produção impecável (e que chega até a fazer referências à adaptação de Sidney Lumet, de 1974), é possível ter uma sensação que não desgruda de que algo falta para causar aquele impacto que deveria.

O diretor, assim como o roteiro, se preocuparam demais em transformar Poirot no grande protagonista do cenário. Sim, ele é o protagonista da história e nós já sabemos disso, portanto não era necessário focá-lo a todo instante, até mesmo quando demais personagens estão presentes, interpretados em sua grande maioria por nomes de peso. Atores que, na verdade, parecem estar lá apenas fazendo pontinhas, contendo o seu brilho para não ofuscar o brilho do colega, pois seus personagens tem o espaço constantemente roubado pelo protagonista e suas excentricidades maníaco-obsessivas (como não conseguir comer dois ovos de tamanhos diferentes ou conversar com quem esteja com a gravata torta). Então, no pouco espaço que sobra para eles se destacarem, eles os fazem com afinco.

Dessa forma, mesmo com participações tão breves e personagens que existem apenas para ações chaves na história, e por isso sem grandes profundidades dramáticas ou desenvolvimentos, todos os atores conseguem dar a cada um deles mais do que eles oferecem, como transformar um desenho no papel em uma escultura de barro, pois se não tivesse sido isso, eles poderiam ter sido substituídos por quaisquer outros. E talvez essa tenha sido realmente a função deles, já que o filme dificilmente se sustentaria sozinho, sem grandes nomes para auxiliar.

Portanto, salvo pelo gongo, são os atores em suas posições bem coadjuvantes que conseguem segurar todas as pontas mais do que o protagonista e a própria história. Além da direção bastante clássica de Branagh, que raramente - a quase nunca - sai do convencional, deixar tudo muito perfeito e bem alinhado, com ar datado e extremamente politizado, resultado óbvio de sua fissura por Shakespeare por tantos anos (só ele adaptou 5 obras do autor) e que igualmente foi visto em Thor (2011).

Esse protocolo pessoal que parece que o diretor segue não trás uma agilidade necessária para alimentar o clássico suspense do famoso "quem matou", característico das obras de Christie, e quando a história atinge seu clímax, ele não consegue engrandecê-la. Toda a trama construída até então perde forças, e a conclusão não surpreende da forma como o livro consegue fazer. Os acontecimentos se revelam na velocidade de uma leitura, quando ler e ver são duas coisa completamente diferentes, de tempos bastantes distintos.

Do excesso de zelo e ponderação na hora de revelar o corpo esfaqueado, à extrema falta de sutileza ao revelar o crime aos personagens, há um desequilíbrio que tira a surpresa e a expectativa nos momentos onde mais deveriam aparecer. Colocar todos os personagens juntos ao final também careceu de um metrônomo para ajudar no compasso, um momento que se torna o exemplo óbvio do motivo das obras da autora se encaixarem muito melhor na televisão do que no cinema, porque pareceu muito mais a conclusão do último capítulo de um folhetim de Silvio de Abreu do que uma produção de US$55 milhões.

E mesmo com esses defeitos, ainda é um filme atraente porque, tal como os livros, foi feito com nenhuma outra intenção além de entreter com classe. O problema é que Branagh utilizou classe demais.

De qualquer forma, é interessante ter Agatha Christie de volta aos cinemas, e a intenção de Branagh com esse filme é transformá-lo em uma franquia caso fizesse sucesso, e assim explorar o universo de Poirot. Não é à toa que o final do filme é um gancho para Morte Sobre O Nilo, e depois de ter arrecadado mundialmente mais de US$350 milhões, é mais do que óbvio que a continuação recebeu carta verde e já está em pré-produção, com lançamento previsto para 2019.

OBS: detalhe para canção original do filme, apresentada nos créditos finais, cantada por Michelle Pfeiffer.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

TIMING PERFEITO...

★★★★★★★★☆
Título: Corra! (Get Out)
Ano: 2017
Gênero: Horror
Classificação: 16 anos
Direção: Jordan Peele
Elenco: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Bradley Whitford, Catherine Keener
País: Japão, Estados Unidos
Duração: 104 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Depois de cinco meses de namoro, um afroamericano decide passar o final de semana na casa dos pais de sua namorada branca. Ao chegar lá percebe que por trás da extrema amabilidade de todos existe algo diferente que ele não consegue entender o que seja.

O QUE TENHO A DIZER...
Muito se falou de Corra! no ano passado, quando o filme estreou no Festival de Sundance, o qual, depois de ser distribuído pela Universal, arrecadou mundialmente mais de US$250 milhões, cinquenta vezes mais que seus custos de produção.

Isso não é uma coisa ruim, já que as expectativas do próprio diretor/roteirista/produtor, Jordan Peele, eram as mais pessimistas possíveis. Ele acreditava que os brancos não iriam ao cinema com medo de serem ofendidos pelos negros, enquanto os negros não apareceriam ao cinema por não quererem se sentar perto dos brancos enquanto o protagonista era vitimizado. É claro que nada disso aconteceu, e tanto negros e brancos lotaram os cinemas. No fim saíram todos de lá satisfeitos porque conseguiram assistir um filme de horror que se torna de fato um dos mais assustadores e bem executados dos últimos tempos, mas ao mesmo tempo chocados porque puderam identificar muito da própria realidade nele.

Quer dizer... é o que esperamos.

O fato é que, ignorando cores e raças, o resultado de tudo é um filme perturbador com teor extremamente crítico e sem medo de ser ofensivo e incisivo, oferecendo o que promete de maneira que os filmes de horror hoje em dia dificilmente conseguem fazer. Agora, dentro da abordagem que o diretor constrói, ele incomoda não apenas por tratar a relação entre brancos e negros de uma forma extremamente chocante tal como assistir a violência de 12 Anos de Escravidão seguido da vingança de Django em um único filme, mas porque quando deixamos de lado toda a sátira social que este filme de horror também é, é entristecedor perceber que a realidade é muito parecida com isso, de fato.

Em uma matéria sobre o filme escrita por Tari Ngangura em Março de 2017, ela descreveu como muitas vezes presenciou pessoas brancas e liberalistas expressarem suas ignorâncias da forma como os próprios personagens fazem durante a festa de confraternização que ocorre na casa dos Armitage, e como ela achou isso engraçado quando assistiu ao filme pela primeira vez no cinema. Não porque de fato era engraçado, mas porque os momentos constrangedores nos quais o protagonista é obrigado a se defender nada mais são do que representações do comportamento diário que ela mesma vivencia ainda em plena segunda década do século XXI. Enquanto os mesmos brancos liberalistas presentes na mesma sessão, segundo ela, davam risadas banais porque realmente achavam engraçado sem sequer perceberem que aquilo não era uma comédia, mas uma crítica ao próprio comportamento deles.

E por incrível que pareça - e até irônico isso - o filme concorreu ao Globo de Ouro 2018 de Melhor Filme e Melhor Ator na categoria Musical/Comédia. Não me pergunte por quê, já que ele não é uma comédia, sequer um musical. A única coisa que sei é que a dissertação da autora nunca fez tanto sentido depois disso.

Risadas de constrangimento de um lado para tornar a situação mais palatável, risadas alienadas de outro porque não são capazes de compreender o contexto abusivo. As cenas em questão, onde Chris (Daniel Kaluuya) é convenientemente tratado bem, mas visto com estranheza e enquadrado em situações extremamente hostis perante a sociedade de alta classe da pequena cidade, causa desconforto e espanto para aqueles que estão em conexão com o contexto da realidade.

E realmente, quantas vezes também não presenciei situações como essa, como observador mesmo, e não como vítima. Seja com pessoas negras perto ou ausentes, é o comportamento que mostra como a sociedade ainda permanece doente e ainda dá atenções a uma herança cultural escravista e preconceituosa sem qualquer fundamento. Desde aquelas pessoas que dizem não serem racistas, mas que toda vez que citam um negro dizem "pessoa de cor", passando o dedinho sobe a pele, até aquelas que não tem o menor pudor ao utilizar a batida frase "não sou racista, só não é minha preferência", justificativa que nada mais é do que uma versão "feia arrumadinha" para o racismo. Também temos aqueles que blindam-se por trás do discurso constitucional, já que não são racistas, apenas estão expressando sua livre opinião.

Certo. Gostaria, então, que um dia essas mesmas pessoas me definissem o que é racismo, na concepção delas.

O pior é que pessoas como essas acreditam estarem fazendo algo correto e inofensivo, sem perceberem que seus atos apenas perpetuam e fortalecem o pensamento discriminatório e segregador. É o mesmo que sua mãe disser "fulana é uma negra bonita", e você corrigí-la afirmando que o que ela disse tem conotação racista, porque caso ela fosse feia, ela sequer citaria a fulana, e caso fosse branca, a fulana não seria uma "branca bonita", mas apenas uma "fulana bonita". Mas sua mãe não iria entender a diferença, ou acharia que você estivesse exagerando no discurso politicamente correto, como (outra vez) tem sido o discurso de apoio de muitos brancos racistas ou pseudo-racistas por aí.

Situações complicadas, mas que Jordan Peele conseguiu transferir de diversas formas em seu filme cujo hype em torno de seu lançamento não foi por menos. Foi quase imediata a forma como a crítica o considerou como uma perturbadora discussão sobre como os negros ainda são tratados com diferença e violência. Além disso, também chegou a ser considerado por alguns como um filme com teor feminista branco, o que, de certa forma, realmente se encaixa dentro do propósito de existência e desenvolvimento da personagem Rose (Catherine Keener).

Muitas comparações surgiram, como alusões de personagens do filme a grupos segregacionistas ou escravistas, como na descrição dada pelo jornal The Guardian, afirmando que o filme mostra o poder construído pela ignorância liberal e a arrogância que isso permitiu a essas pessoas. Uma arrogância que faz o filme se desenvolver e se concluir da maneira como acontece.

Peele não reprova tantas teorias, comparações e alusões que seu filme tenha gerado. A única coisa que ele afirmou sobre tudo isso é que o filme é sobre a escravidão, e isso já é um tema perturbador por si só.

Mas talvez mais do que o próprio tema, o que realmente faz a atmosfera do filme ser tão obscura e carregada (e exatamente por isso, reflexiva) é a forma como o diretor desenvolve as cenas com atenção a pormenores desde o princípio. Ele, que veio da comédia e estrelava um programa de humor, afirmou que a comédia e o terror são muito parecidos, pois dependem de um timing perfeito. Se a cena não é construída em seu tempo exato, a piada/risada, ou o espanto/medo, se perdem. É por isso que comédia e terror são os gêneros considerados mais difíceis, porque demandam técnicas precisas, e a direção é precisa a todo instante sobre isso.

Utilizando como inspiração o filme As Esposas de Stepford (1975) (o qual ganhou o remake Mulheres Perfeitas, de 2004), seja na captura das ações, no uso do ambiente, da edição ou da trilha sonora, Peele prende a atenção do espectador com pouco, chocando-o à todo instante através do comportamento desumano e até mesmo da violência justificada, tirando dos atores o melhor e o pior deles a todo instante. Não é à toa que a atuação de Kaluuya foi abundantemente elogiada, ator que foi escolhido para o papel imediatamente após o teste, de tão perfeito que havia sido, segundo o diretor. Mas uma pena que demais do elenco não foram tão relembrados da mesma forma, como a performance arrepiante de Catherine Keener ou até mesmo de Allison Williams.

De qualquer forma, é um tanto complicado comentar sobre este filme depois de assistir Pantera Negra (2018). Enquanto o filme do herói da Marvel enaltece a cultura africana das mais variadas formas, desenvolvendo discussões sociais e políticas relevantes e positivas, deixando completamente de lado embates raciais superficiais e comuns, este filme de horror faz totalmente o inverso, nos mostrando o terrível lado do racismo em sua pior forma, se tornando uma grande metáfora sobre o comportamento mais primitivo e irracional.

O filme conseguiu 4 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Diretor, Ator e Roteiro Original, um fato raro no gênero, sendo O Sexto Sentido (1999) último a conseguir tal feito em seis categorias, há dezoito anos atrás. E como dito, como um produto de horror, ele cumpre mais do que aquilo que promete, mesmo que em determinado momento se aproveite de pitadas de ficção científica como elemento narrativo para gerar um clímax ainda mais ameaçador que poderia facilmente ter ficado de fora, pois não agrega absolutamente nada na narrativa além de um par de surpresas bobas. Funcionam no momento e causam aquela surpresa típica de reviravoltas conclusivas, mas desnecessárias depois de um desenvolvimento tão consistente da trama principal, que choca propositalmente para que a realidade se torne mais clara e objetiva para aqueles que ainda vivem no afundados no chão, no mundo do esquecimento sobre o assunto.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

WAKANDA PRA SEMPRE!

★★★★★★★★★☆
Título: Pantera Negra (Black Panther)
Ano: 2018
Gênero: Ação, Super Herói
Classificação: 12 anos
Direção: Ryan Coogler
Elenco: Chadwick Boseman, Lupita Nyong'o, Danai Gurira, Letitia Wright, Angela Bassett, Forest Whitaker, Michael B. Jordan, Daniel Kaluuya, Martin Freeman
País: Estados Unidos
Duração: 134min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Após a morte do seu pai em um atentado, o Príncipe de Wakanda se prepara para se tornar Rei e assim defender seu país e os interesses de seu povo, além do direito concedido pelos deuses de usufruir dos poderes de um Pantera Negra. Até aparecer um desconhecido para revindicar seu lugar no trono.

O QUE TENHO A DIZER...
Assim como Mulher Maravilha (2017) e Logan (2017), Pantera Negra surge em um ótimo momento para quebrar paradigmas no cinema de ação. Também é um importante produto que modifica consideravelmente a estética que a Marvel insistia em manter em suas produções, aquela de oferecer uma roupagem adulta, mas ter um conteúdo completamente infantil. Um modus operandi que foi ganhando cada vez mais força e espaço, filme após filme, desde quando seu universo cinematográfico começou a tomar forma lá em Homem de Ferro, de 2008. Um cenário que se tornou ainda mais preocupante depois da sua compra pela Disney, em 2009. Uma previsão correta que atingiu uma proporção insustentável na qual até mesmo os fãs, já saturados, não aguentam mais, sendo Thor: Ragnarok, o ápice desse exagero e um sinal vermelho de que as coisas precisam mudar com urgência.

O filme, dirigido e escrito por Ryan Coogler, é essa fonte de esperança porque consegue, de uma maneira bastante surpreendente, encontrar o meio termo agradável entre a seriedade que a DC/Warner um dia teve no norte de sua bússola que hoje está quebrada, com o fabuloso universo fantástico da Marvel que nunca deixou de existir e se renovar. Também se aproxima da consistência que as produções da parceria Marvel/Netflix renderam nos últimos três anos, roteiros bem lapidados e definitivamente com uma pegada muito mais amadurecida.

A infantilização de personagens e do roteiro finalmente desapareceram dessa vez, dando lugar até para um bom palavrão bem encaixado em um determinado momento que não é verbalizado para evitar que os maiores vilões da Marvel/Disney entrassem em ação: a censura etária. Gesticulado pela personagem Shuri (Letitia Wright) em alto e bom tom, para a grande maioria poderá significar nada além de um momento engraçado, mas para aqueles que acompanharam o consistente processo de infantilização que o gênero sofreu nos últimos anos irá enxergar como um sutil ato de rebeldia, tal como foi quando a moda encurtou em quatro dedos as barra dos vestidos no século XVIII. E acreditem, significa muita coisa nas atuais circunstâncias.

E ousadia é, em um ponto de vista geral, a melhor definição deste longa que vai contar a história do primeiro super herói africano e com poderes dos quadrinhos. Primeiro porque, como é notório, é o primeiro filme de grande orçamento a ser dirigido por um negro, bem como o primeiro filme do gênero com protagonista e elenco predominantemente negro (sem nem precisar de Morgan Freeman ou Denzel Washington pra isso), e finalmente Angela Bassett ocupando um lugar que facilmente poderiam ter enfiado Viola Davis. Ou seja, um filme que lembra a humanidade de que a fina nata de atores afroamericanos não gira em torno apenas do trio Freeman, Washington e Davis. Claro que ainda existem centenas de outros, mas trazer novas faces e talentos ao spotlight já é um grande passo.

E assim como li em algum lugar que não lembro onde, "ninguém saiu por aí dizendo que Capitão América foi um filme com elenco branco porque isso nunca foi necessário". Portanto, sim, para os ignorantes de plantão, Pantera Negra celebra a diversidade cultural e étnica da melhor forma que o cinema comercial poderia fazer, pois não estamos falando de um grupo culturalmente homogêneo, e muito menos de um filme que faça parte do padrão caucasiano que a indústria cinematográfica nunca fez questão de quebrar.

Criado por Stan Lee e Jack Kirby, em 1966, o personagem nada tem a ver com o grupo revolucionário e anti-segregacionista dos Panteras Negras, embora a coincidência de fato existiu porque ambos adotaram o mesmo nome em uma diferença de poucos meses (o grupo adotou o nome posteriormente ao lançamento do personagem). Stan Lee até tentou, a princípio, se distanciar dessa coincidência ao mudar o nome do personagem para Leopardo Negro, em 1972, explicando dentro da própria história, na edição nº119 de O Quarteto Fantástico, que o nome havia sido mudado porque um grupo político também o havia adotado, e também porque um Leopardo nada mais é que uma Pantera. Mas a mudança não teve sucesso, e lá foi o personagem novamente explicar o retorno do nome nove meses depois, na edição nº105 de Os Vingadores, dizendo: "Eu não queria que minhas crenças pessoais e heranças culturais fossem confundidas com planos políticos criados por outros (...) eu não sou um estereótipo, eu sou eu mesmo. Eu sou Pantera Negra".

O que ele quis dizer com isso é que, não é o nome quem faz a pessoa, mas suas atitudes frente ao mundo.

Embora os meios utilizados pelo personagem e pelo grupo político fossem diferentes, os fins e as intenções, em sua essência, eram os mesmos. Sem querer, o personagem se tornou um ícone sociopolítico nos quadrinhos e dos quadrinhos, além de uma referência à cultura afro-americana e descendente que não existia até então, pois o herói e seus companheiros defendiam suas origens, enalteciam suas culturas, fortaleciam sua independência e promoviam o respeito entre raças e gêneros. E é de tudo isso que o filme também irá tratar em sua história de maneira extremamente sutil nos diálogos e nas intenções dos personagens, mas extremamente consistente quando muitas metáforas são traduzidas e condensadas, não evitando momentos para críticas ao colonialismo e ao imperialismo e como isso sempre foi o responsável pela opressão do avanço de uma nação ou sociedade, como quando é dito a um agente da CIA em não se preocupar em utilizar um simulador de uma das naves da tropa aérea de Wakanda porque o sistema foi "americanizado" para facilitar; ou quando este próprio agente da CIA chega ferido na base de Wakanda, e Shuri (como sempre), enérgica, diz: "mais um americano para curar". O que, para um bom entendedor, serve como uma grande ironia à situação geral da África e da fictícia atuação dos Estados Unidos, além das maiores empresas farmacêuticas norte-americanas estarem estabelecidas lá por terem alta amostragem e baixo custo, numa descarada exploração da miséria.

Se tem uma coisa que roteiro não se permite é desenvolver discussões racistas que atualmente inflamam facilmente os grupos neo-conservadores que adoram discursos boçais, e que poderiam facilmente ter sido abordados caso os roteiristas tivessem ido para um caminho mais óbvio. Nem críticas sociais ou políticas direcionadas à cor estão presentes porque no fictício país de Wakanda isso não existe. É uma sociedade tão próspera e intelectualmente avançada que nunca foi influenciada por nenhuma outra nação. Mesmo que o filme seja inteiramente em inglês por uma questão de linguagem cinematográfica, o sotaque utilizado é originalmente africano, e em várias situações os diálogos são em línguas nativas, como a Xhosa, lingua banto nguni falada por mais de 19 milhões de pessoas e uma das mais complexas. Só há uma exceção em um único momento, no diálogo entre Erik (Michael B. Jordan) com uma curadora na sequência do museu, em que ele afirma que foi estranhado pelos seguranças desde o momento que havia entrado, sendo esta situação o máximo da visão mais simplista sobre o preconceito e discriminação que o roteiro chega perto. Mas é importante notar que isso acontece porque a situação não se passa em Wakanda, mas no Estados Unidos, ou seja: coesão e coerência com o tempo e espaço onde as situações ocorrem.

A seriedade do filme não se sustenta no senso comum, mas muito além disso. Ela vai lá nas suas fundações, resgatando os períodos coloniais e escravistas, do abuso das nações e suas intervenções, evitando culpar quem é consequência disso, mas culpando diretamente quem foi responsável e impondo que é função de quem vive o momento de iniciar a mudança. Não é à toa que o mesmo Erik é aquele que irá soltar a frase mais amarga de todas quando diz que, assim como seus ancestrais se jogaram dos navios negreiros ao mar para não viverem presos, ele prefere morrer a ser enjaulado.

O que é interessante frisar aqui é que, por mais que o filme tente criar uma situação maniqueísta pra facilitar os momentos narrativos, a verdade é que não existe quem seja do bem ou quem seja do mal. Como dito, existe coerência com o tempo e o espaço, e cada personagem, independente de quem seja, tem suas atitudes movidas pela cultura que o domina, e cada um está certo dentro do seu propósito. Por isso temos T'Challa (Chadwick Boseman) e Ulysses (Andy Serkis) como extremos, um criado na cultura protecionista e autossuficiente com filosofias socialistas, e o outro na cultura imperialista e expansionista fundamentada no capitalismo oligárquico. E entre um e outro temos Erik, perdido entre suas raízes africanas e aquilo que a América lhe prometeu. 

Mas bem vindo são os momentos de alívio cômico. Se por um lado as piadas de Shuri são as mais incisivamente críticas, por outro temos aquelas absolutamente inofensivas que, ao invés de serem jogadas aleatoriamente até o desgaste, aqui utilizam um tempo de comédia que hoje parece raro, situações por vezes absurdas que remetem aos filmes de ação escapitas dos anos 80, e inesperadas da mesma forma como foram muitas das bem inseridas piadas em Liga da Justiça (2017), como no momento em que o carro pilotado por Nakia (Lupita Nyong'o) e Okoye (Danai Gurira) é destruído, uma situação tão ridícula que se torna genuinamente engraçada justamente por ter sido inesperada, deixando a sala ainda em restos de gargalhada até momentos depois. E entre o escapismo e a ironia, esses alívios acontecem, como em outro momento em que Okoye se prepara para se infiltrar em um clube vestindo a mais horrenda peruca que a produção poderia ter lhe arranjado, mas tão bem encaixada em seu discurso que é impossível não compreender o momento como uma implícita crítica à obsessão de muitas mulheres afrodescendentes em se sujeitarem aos padrões alvejantes de beleza do que simplesmente assumirem sua naturalidade.

Sim, porque além de uma maravilhosa experiência de reverenciamento e referenciação à cultura africana e sua diversidade como nunca se viu nos filmes de ação e de heróis na História do cinema, que inclusive demandou uma extensa pesquisa por parte da Desenhista de Produção e da Figurinista, o filme é integralmente sustentado por personagens femininas consistentes e de significado empoderador tão importante quanto as amazonas demonstraram em Mulher-Maravilha, mas aqui respeitadas pela isonomia entre os gêneros, e não resultado de uma constante batalha para tentar reduzir o abismo entre comportamento masculino e feminino que a sociedade alimenta. Ter importado Danai Gurira da série The Walking Dead para as telas do cinema demorou. Finalmente encaixá-la em um grande blockbuster já havia passado da hora, uma oportunidade de expor seu talento que até o momento não havia saído dos limites da televisão.

A história não perde tempo contando a origem do personagem, do seu crescimento heróico até um grande ato final onde ele tem de impedir um poderoso inimigo de destruir o planeta, uma estética narrativa que a Marvel repetiu incansavelmente para introduzir as pessoas em seu universo e que hoje não só se mostra desnecessário como uma fórmula ultrapassada. Ao contrário disso, perde-se muito mais tempo para introduzir ao espectador porque Wakanda é o elo perdido da África, a El Dorado nunca encontrada. E em um espetáculo cultural, somos apresentados a esta nação fictícia tão próspera e humana, porque é disso que o enredo se baseia: nas motivações humanas de cada um. É um filme redondo, dividido basicamente em três atos bem construídos entre o drama e a ação, e se tem uma coisa que ele peca é ter sido distribuído em cópias 3D, que podem aumentar o senso de profundidade, mas sacrificam consistentemente a qualidade visual que, tão bem cuidada, foi desperdiçada numa tecnologia que nunca agregou nada.

Me lembro que quando a Marvel começou com sua Primeira Fase cinematográfica (já está na sua terceira e última do cronograma planejado em 2008), e os filmes de heróis brancos e americanos começaram a pipocar em todo lugar, muitos críticos escreveram matérias imensas sobre a relevância que Pantera Negra teria se fosse bem adaptado aos cinemas. Quase 10 anos depois finalmente ele tem seu filme solo. Pode ter demorado muito pra isso acontecer, mas nunca é tarde o bastante, já que o momento em que o filme é lançado não poderia ser o mais relevante, num momento quando as discussões sobre igualdades raciais e de gênero estão tomando proporções cada vez maiores no cinema, no entretenimento e na sociedade. O mais belo disso é que Ryan Coogler conseguiu definitivamente criar um produto respeitoso, consistente e delicado sobre isso, ao mesmo tempo que não esquece de entreter e fascinar.

Mas mesmo sendo um dos melhores filmes da Marvel (se não for o melhor até o momento), com um dos roteiros mais consistentes dentre as adaptações de quadrinhos, e demais quesitos técnicos de primeira, o filme tem encontrado a resistência de certos grupos, os mesmos neo-conservadores que não dispensam discursos vazios, como aqueles que dizem que "é incoerente afirmar que o filme celebra a diversidade quando o elenco é só de negros", ignorando que quando falamos de diversidade não necessariamente falamos sobre raça, mas sobre culturas, além dessas pessoas também ignorarem completamente a indústria na qual o filme está inserido.

Toda quebra de preconceitos é socialmente dolorosa para todos os lados, e pode parecer que não, mas o entretenimento tem uma influência inquestionável nisso. É ele quem dialoga diretamente com a massa, é sua função e obrigação favorecer a diversificação e o diálogo. Os críticos estavam certos quando escreveram sobre a necessidade de Pantera Negra ser adaptado. A relevância disso está se provando nas quebras de recorde, arrecadando mundialmente mais de US$400 milhões apenas em seu final de semana de estréia.

Pode ser apenas o primeiro filme, mas só fará sentido de fato quando deixar de ser o único.
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