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domingo, 23 de junho de 2013

INCÔMODO, PORÉM CORAJOSO...

★★★★★★★
Título: Segredos de Sangue
Ano: 2013
Gênero: Suspense, Drama
Classificação: 16 anos
Direção: Chan-wook Park
Elenco: Mia Wasikowska, Nicole Kidman, Matthew Goode, Dermont Mulroney, Jacki Weaver
País: Estados Unidos, Reino Unido
Duração: 99 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
India Stoker fez 18 anos e perdeu o seu pai. Ela viveria apenas com sua mãe caso não chegasse Charles Stoker, irmão do seu pai e o qual ela nunca soube que existia, nascendo uma relação de distanciamento e afinidades que culminarão em segredos que definirão sua nova fase de vida.

O QUE TENHO A DIZER...
Segredos de Sangue é dirigido pelo sul coreano Chan-wook Park. É seu primeiro filme em inglês, cujo roteiro é curiosamente assinado pelo ator Wentworth Miller, conhecido pelo seu papel principal em Prision Break. O roteiro fez parte da Black List de 2010, uma lista feita todos os anos contendo os melhores roteiros que ainda não foram produzidos.

Basicamente conta a história de India Stoker (Mia Wasikowska), uma garota inteligente e de classe média alta, que vive em um mundo particular de observação, de constante desconfiança, avessa a determinadas regras sociais e que tem a forte tendência de contrariar ordens, principalmente quando partem de sua mãe. India gosta de observar e ouvir pequenas coisas, ler e explorar o mundo que a rodeia por um ponto de vista por vezes estranho e obscuro, como uma foto em negativo. Ela não tem amigos, nunca namorou e as únicas relações próximas eram com seu pai, Richard Stoker (Dermont Mulroney), e seu piano. Sua relação com sua mãe, Evelyn Stoker (Nicole Kidman), é conturbada, em um misto de distância, mágoa e um afeto que existe, mas nunca ultrapassa um determinado limite. A vida de India e Evelyn mudam completamente quando Charles Stoker (Mathew Goode) aparece no velório de seu irmão. India trata seu tio com estranheza como a um intruso por nunca ter tido conhecimento de sua existência, e Evelyn se encanta com as constantes gentilezas do cunhado, do bom gosto e da beleza jovial que ela há muito não conhecia.

Falar muito sobre o filme é como estragar determinadas surpresas, pois não há como negar que, mesmo entre uns tropeços e outros, Segredos de Sangue é um filme corajoso e, de certa forma, audacioso em Hollywood, pois é um daqueles raros filmes que é desconfortável e que em nenhum momento cria uma conexão de afinidade com o espectador, seja na história ou com qualquer um dos personagens. O filme cresce numa tensão e em uma sucessão de erros que se tornam coerentes dentro da natureza que vive cada um dos arquétipos retratados pelos personagens.

O suspense traçado muitas vezes é bastante similar com o hitchcockiano. Obviamente que não chega a ter o mesmo peso sutil e a classe do mestre, mas essa tentativa existe e é válida o tempo todo numa fotografia caprichada, limpa e que evita os excessos para evidenciar as personas e as situações construídas entre eles. O diretor também se atenta na câmera estática, enfatizando a calma e o sossego rotineiro do território bucólico que India vive e que no decorrer do filme se torna assustador por ser belo e esconder segredos muitas vezes mórbidos.

Uma das características hitchicockianas mais fortes no filme são as interpretações friamente calculadas e milimetricamente detalhadas. Todas as ações dos personagens, um gesto, um olhar, um caminhar, uma forma de parar frente a câmera... tudo parece ensaiado e calculado diversas vezes para causar sempre a melhor impressão e ter um sentido sublime para aquela situação específica. E funciona, pois não é mecânico, mas é frio e bonito. Algo raro de se ver.

O tema, para ser mais explícito e didático, sem ser um fator que estrague as surpresas do filme, é mais um daqueles que tenta transpor de forma mais humana determinadas psicopatologias como a sociopatia psicótica, mostrando que uma doença psiquiatrica estabelecida desde a infância culmina em atitudes imprudentes que podem ser compreendidas, embora difíceis de serem aceitas por uma sociedade comum. A especialista em criminologia Ilana Casoy, autora do livro Serial Killer - Louco ou Cruel?, deu uma entrevista há alguns anos explicando que é muito fácil para a população leiga condenar um assassino, mas o que essas mesmas pessoas desconhecem e não fazem questão de ter conhecimentosão das razões e dos fatores psicossociais que levaram essa pessoa a cometer um crime. Não que isso justifique o ato, mas coloca a pensar que, para os conflitos internos e existentes na psiquê dessa pessoa, isso é algo coerente. Uma doença de fato que deve ser tratada como tal, e não simplesmente posta para um julgamento qualquer. Mas para isso ser feito é necessário, a princípio, a compreensão de seu mundo particular.

O elenco caiu como uma luva. Mia Wasikowska sem dúvida está entrando para a mesma lista de grandes e jovens atrizes de sua geração, no mesmo patamar que a popular e querida Jennifer Lawrence, Juno Temple ou a um pouco mais nova Saoirse Ronan, naquela versatilidade de poder ser uma atriz menina a uma jovem adulta apenas numa mudança de postura ou em um olhar. Nicole Kidman realmente se sai melhor em filmes pequenos e ousados, conseguindo oferecer curtos momentos de uma interpretação que chega ao sublime por atingir o sofrimento emocional e demonstrá-lo com pouco. Sutil e contida, impressionando até mesmo eu, que nunca fui seu fã. Matthew Goode não só impressiona como seu semblante carregado no cinismo e na perversão é bastante assustador, um personagem que realmente marca, daqueles que mesmo assistindo outros filmes com o ator, com outros personagens, será difícil desassociar.

Há muitas resenhas e sinopses do filme que informam erroneamente que India sofre maus tratos da mãe, ou que sua mãe sofre de instabilidade emocional crônica. Isso tudo é mentira, ou ao menos o filme nunca deixa qualquer uma dessas duas alternativas explícitas. A instabilidade emocional de Evelyn existe tal qual a de India justamente pelo filme se passar logo após a morte de Richard, o que é bastante compreensivo.

Os grandes problemas do desenvolvimento surgem quando a história não esclarece determinadas situações, como a razão da relação entre India e sua mãe serem tão distantes. Seria isso uma referência batida ao Complexo de Édipo? Os breves conflitos entre a governanta ou da tia Gwendolyn Stoker (Jacki Weaver, sempre muito boa) com Charles também aparentam serem fúteis e desnecessários, além da indiferença e do consentimento de India com várias situações soar forçado, por mais que tudo aparente familiar e natural para ela.

CONCLUSÃO...
De qualquer forma, Segredos de Sangue é um filme para poucos, que explora bastante o psicológico de seus personagens principais que crescem gradualmente em uma sucessão de fatos distorcidos, surpreendendo o espectador por não fugir de sua idéia principal em nenhum momento, além de nunca ter a intenção de incrementar a história com elementos que possam atenuar o que incomoda para o bem de um público que sempre espera um final feliz ou satisfatório.
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